Análise inédita do Iede ajuda a entender o perfil dos alunos de 15 anos das redes pública e privada

2019-01-14T11:32:41-03:00 20/08/2018|

Além de aprendizagem, eles apresentam diferenças significativas em relação à expectativa acadêmica, ambição e percepção de indisciplina na escola

O Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) realizou um estudo com os microdados do Pisa 2015 a fim de entender o perfil dos adolescentes que estudam nas redes pública e privada brasileira. Algumas diferenças entre eles surpreendem: enquanto na rede pública, por exemplo, somente 43,4% dos alunos na faixa etária avaliada, 15 ou 16 anos, espera completar o ensino superior ou realizar uma pós-graduação; na rede privada, o percentual sobe para 69%. Outros itens também chamam a atenção, como os alunos que exercem trabalho remunerado após as aulas. Na rede pública são 40%; já na privada, 24,4%.

A amostra do Pisa considerada foi de 17.523 estudantes de 15 ou 16 anos, representativos de todos os estados brasileiros. Eles foram divididos da seguinte forma: 15.087 alunos de escolas públicas e 2.436 alunos de escolas privadas, sendo analisado também um subgrupo de 527 estudantes de escolas privadas, mas com nível socioeconômico similar ao dos alunos da rede pública. A ideia, com isso, foi minimizar o peso socioeconômico, que estudos mostram ter grande correlação com o desempenho.

Rede pública e rede privada: mundos opostos?

De acordo com dados das Sinopses Estatísticas da Educação Básica 2017, dos  3.098.466 alunos matriculados no 1º ano do ensino médio, ano passado, 88.8%, isto é 2.752.124, estavam na rede pública (municipal, federal ou estadual).

Além de muito mais numeroso, o contingente de alunos da rede pública é também mais diverso. Comparações, mesmo que entre o subgrupo de alunos da rede privada com nível socioeconômico semelhante ao da pública, exigem cuidado. Isso porque, entre outros fatores, na rede pública há alunos de extrema baixa renda, que raramente são encontrados na rede privada.

Rosana Capelatto, educadora com 25 anos de experiência, conta que observa no dia a dia de trabalho o quanto o contexto o socioeconômico e social influencia nas perspectivas de seus alunos. “Na escola particular, em geral, os pais têm um plano de vida para o filho, que traçam em parceria com a escola.  Já na pública a situação é mais complexa. Tem aluno meu, por exemplo, que o pai está preso. Muitos deles têm pais que não tiveram a oportunidade de estudar e, até por isso, não enxergam a importância da educação”, considera ela, que dá aulas de português para alunos do 9º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio na rede pública e é também coordenadora do ensino médio de uma escola particular de Novo Horizonte, no interior de São Paulo.

Apesar de ressaltar os impactos do meio social em que o aluno vive, a professora Rosana não tira da escola a responsabilidade. Pelo contrário, ela considera que é em um cenário mais vulnerável que o professor tem a oportunidade de ter um impacto ainda maior. “Eu me sinto mais útil na rede pública porque lá me vejo como um agente de transformação, um instrumento para ajudar meus alunos a conseguirem realizar seus sonhos a despeito das motivações e exemplos que têm em casa”, conta.

Quem são os alunos de 15 anos da rede pública?

  1. Somente 44% tem mães com ensino médio completo, mas seus pais apoiam seus estudos

Na rede pública, 41% dos alunos têm pais com ensino médio completo. Já na particular, o percentual é quase o dobro, 80,2%. Veja:

Apesar dessa diferença na educação formal, é importante ressaltar que nos três grupos analisados (pública, privada e privada com nível socioeconômico similar ao da pública) mais de 90% dos alunos disse que os pais se interessam por suas atividades escolares e mais de 80% que os ajudam quando enfrentam dificuldades na escola. Para os dois itens, foram consideradas as somas de “concordo” e “concordo fortemente”.

Telma Vinha, doutora em Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp e integrante do comitê técnico do Iede, ressalta que tais dados vão ao encontro de outras pesquisas sobre o envolvimento das famílias na educação dos filhos. Uma delas, feita em 2014 pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, mostra que três a cada 5 mães participam ativamente da vida escolar dos filhos. “A gente percebe que a educação escolar é um valor importante para as famílias no Brasil, mas não cabe a elas fazer o que é papel da escola, que é trabalhar para a aprendizagem”, diz.

  1. Querem estar entre os melhores da sala e têm receio de ir mal em provas

Tanto alunos da rede pública como da rede privada desejam ir bem na escola: nos três grupos, mais de 95% dos alunos responderam que concordam ou concordam fortemente que querem obter “as melhores notas em todas ou na maioria das disciplinas”, e mais de 60% que querem “estar entre os melhores da sala”.

Os grupos também partilham da preocupação com provas: 80,1% dos alunos da rede pública concordaram com a afirmação “frequentemente, acho que será difícil realizar uma prova”, contra 78,2% da rede particular.

Nesse ponto, Telma Vinha acredita que os números, provavelmente, têm relação com a forma como as avaliações são utilizadas no Brasil. “A prova é muitas vezes vista como forma de controle de comportamento por parte dos professores, eles dizem: ‘Se vocês não se calarem, vão se ferrar na prova’. É comum esse discurso. A prova não é percebida pelo aluno como um mecanismo para avaliar seu aprendizado e mostrar o que ele ainda deve aprender, mas como algo que terá um impacto mais definitivo”, explica a pesquisadora. E isso independentemente da rede.

  1. 19% já repetiram de ano pelo menos uma vez

Entre os alunos da rede pública, 19,1% afirmaram que já repetiram de ano pelo menos uma vez; entre os estudantes da rede privada o percentual é de 11,1%. Foram analisadas também questões ligadas à indisciplina nas aulas de ciências (área foco do Pisa 2015) e sobre repetência. Veja a seguir:

 

João de Jesus Martins, professor de biologia nas redes pública e privada do Distrito Federal, opina sobre a diferença significativa entre os alunos que já repetiram de ano: “Na rede privada, quando se percebe uma dificuldade nos alunos, são criados plantões, ‘aulões’… Ao ser identificado um problema, é tomada uma decisão logo para resolvê-lo, além de que há uma pressão maior dos pais e da gestão por resultados e pela não repetência. Já na rede pública, a estrutura é mais precária e, às vezes, há decisões que demoram, pois ultrapassam a unidade escolar”.

  1. Estão quase três anos letivos atrás em aprendizagem em relação à rede privada

De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pelo Pisa, cerca de 35 pontos representam um ano letivo de aprendizado. Dessa forma, pode-se dizer que alunos da rede pública estavam, aos 15 anos, quase 3 anos atrás em aprendizagem em relação aos alunos da mesma faixa etária na rede particular.

Observe as diferenças entre as médias de proficiência por rede:

Há também diferenças significativas no percentual de alunos por nível de desempenho. Segundo a OCDE, 2 é considerado o nível mínimo de proficiência para que o aluno seja capaz de exercer sua cidadania. Preocupa, portanto, o fato de que, na rede pública, 74,3% dos alunos estão abaixo do nível 2 em matemática; 60,2%, em ciências; e 53,5%, em leitura.

Já na rede privada o percentual de alunos que não chegou ao nível mínimo de proficiência foi de 32,2% em matemática; 18,6%, em ciências; e 16,8%, em leitura.

Mas, enquanto há grandes diferenças entre as redes nos níveis mais baixos de desempenho, não se pode dizer o mesmo sobre os níveis mais altos, 5 ou 6. Em ambas, poucos alunos chegaram lá. Veja todos os dados na tabela a seguir:

Fortalecimento da rede pública é caminho

Os dados levantados pelo Iede reforçam que há grandes desafios da rede pública, que precisam ser enfrentados para que os alunos tenham pelo menos o mesmo aprendizado daqueles que estão na rede privada e expectativas acadêmicas tão altas quanto.

“Do ponto de vista de gestão de pessoas e de conflitos, de forma geral, os desafios da rede privada são menores. Mesmo as escolas privadas que atendem alunos de baixa renda enfrentam desafios menores, pois há uma valorização da educação nas famílias de seus alunos e, em geral, o perfil deles não é vulnerável como o de alguns alunos das escolas públicas”, afirma Ernesto Faria, diretor-fundador do Iede.

Estando a escola pública inserida em um contexto mais desafiador, uma boa formação da equipe escolar é fundamental, assim como boas condições de trabalho e a promoção de altas expectativas em relação aos alunos, que muitas vezes não recebem a devida motivação fora do ambiente escolar. “Em síntese, é preciso buscar um fortalecimento da rede pública, e há redes apontando caminhos para isso, como Sobral (Ceará) e Novo Horizonte (SP)”, completa.

Esta análise do Iede embasou a reportagem “Só 4 em 10 estudantes da rede pública miram diploma universitário”, publicada na Folha de S.Paulo

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