Estudo do Iede: alunos que esperam ser professores no Brasil têm desempenho inferior à média nacional

2018-07-31T11:30:47-03:00 31/07/2018|

Apenas 3,3% dos estudantes brasileiros de 15 anos afirmam que esperam ser professores. O desempenho deles é inferior à média nacional em ciências, matemática e leitura, mostra análise do Iede com base no Pisa 2015

A busca por educação de qualidade e com equidade passa, inevitavelmente, pela necessidade de atrair bons alunos para a carreira docente. Nesse ponto, o Brasil tem um grande desafio: o estudo “O perfil dos jovens que esperam ser professores”, feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) com base nos microdados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) 2015, mostra que o desempenho dos alunos que esperam ser professores é inferior à media geral do país, que já é baixa. Nas nações que ocupam as primeiras colocações no Pisa, como Japão, Estônia e Finlândia, a situação é bem diferente: aqueles que esperam ser professores têm desempenho superior à média geral de seu país.

Os resultados do estudo foram divulgados no Jornal Nacional, da Rede Globo, nesta segunda-feira, dia 30. Ernesto Faria, diretor-fundador do Iede comentou o atual cenário: “alunos que têm um bom nível de proficiência não estão buscando ser professores, estão buscando outras áreas. E o professor é o que forma os alunos, o que vai poder fazer mudar a sociedade. Então, isso é alarmante!”.

Acesse o estudo “O perfil dos jovens que esperam ser professores” na íntegra

No Pisa 2015, o Brasil obteve 377.1 pontos em matemática,  400.7 em ciências e 407.3 em leitura, ficando bem atrás da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que foi de 490 pontos em matemática e 493 em ciências e em leitura.

Já os 3,3% de estudantes que esperam ser professores tiveram médias ainda mais baixas, como é possível observar na tabela a seguir:

Fonte: Pisa 2015, OCDE. Tabulado por Iede.

Em todas as áreas do Pisa, as pontuações são divididas por níveis, sendo que o dois é considerado o nível básico de proficiência. Segundo a OCDE, é a partir dele que os alunos começam a demonstrar habilidades consideradas fundamentais para o seu desenvolvimento futuro. Do total de alunos que esperam ser professores no país, a maioria ficou abaixo desse patamar: 80,9% ficaram abaixo do nível 2 em matemática; 62,3%, em leitura; e 70,2%, em ciências. Situação oposta é observada nos níveis mais altos de desempenho. Nenhum aluno que espera ser professor chegou ao nível 6 e menos de 1% atingiu o nível cinco em alguma das áreas. Há, portanto, um cenário preocupante:

“Ainda que se pense em estratégias mirabolantes de formação inicial desse profissional, é inviável pensar que em um curso de 3 ou 4 anos ele irá recuperar todas as deficiências acumuladas na educação básica”, considera a pedagoga Andreza Barbosa, doutora em Educação, que pesquisa, principalmente, sobre trabalho docente e formação de professores.

Fabio Waltenberg, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do estudo “Escolha ocupacional pelo magistério: por que muitos bons alunos não se tornam professores?” (2013),  reforça que não é ruim para a sociedade que um aluno de ótimo desempenho vire um neurocirurgião, por exemplo: “O problema é quem espera ser professor estar muito abaixo da média geral. Todo mundo pode vir a ser um bom profissional, mas é mais difícil recuperar essas defasagens”.

Perfil: maioria que espera ser professor no Brasil é da rede pública e tem baixo nível socioeconômico

A análise do Iede levou em consideração as respostas dos alunos à pergunta “qual profissão você espera ter aos 30 anos de idade?”, presente no questionário do aluno do Pisa 2015. A amostra brasileira foi de 23.141 estudantes do 1º ano do ensino médio, espalhados por todos os estados. Do total de 755 alunos que esperam ser professores, somente 24 declararam ser de escolas privadas. Estes têm nível socioeconômico superior à média da OCDE, enquanto os demais (alunos de escolas públicas ou que não disseram em que rede estudam) estão abaixo.

Acesse o estudo “O perfil dos jovens que esperam ser professores” na íntegra

Para especialistas, esse perfil de aluno é explicado pela baixa atratividade da profissão, que, por sua vez, é causada, principalmente, por salários baixos, pouco prestígio e condições de trabalho ruins. “A questão salarial é muito importante. Isso afasta quem tem expectativa de ganho maior e acaba atraindo pessoas que já vem de estratos econômicos menos favorecidos. Para alguns grupos específicos, ser professor é a possibilidade de ascensão social”, considera Andreza.

Outro ponto importante está relacionado à percepção do aluno sobre o próprio desempenho e o fato dos vestibulares para pedadogia e licenciaturas, em geral, não estarem entre os mais concorridos.

“Dentro da escola, a gente observa isso, alguns alunos com dificuldade de aprendizagem pensam: ‘não vou conseguir fazer medicina, engenharia, vou fazer pedagogia’. Eu mesmo assumo que queria fazer Direito, mas, na época, não tinha essa opção aqui perto, só tinha Magistério. Então, fiz, e depois tomei gosto pela profissão”, conta o educador Máximo Ribeiro, formado em pedagogia e matemática.

No países que estão no topo do Pisa, quem espera ser professor tem desempenho acima da média

Em Cingapura, 1º lugar no Pisa 2015 nas três áreas, não há diferenças estatisticamente significantes entre as médias gerais dos alunos e daqueles que esperam ser professores. Mas, é importante ressaltar, o desempenho do país é muito alto (74.2 pontos à frente da média da OCDE em matemática, 62.6 à frente em ciências e 42.1 em leitura).

Os outros cinco países e regiões que aparecem na sequência de Cingapura – Japão, Estônia, Taiwan, Finlândia e Macao (China) –  apresentam diferenças a favor daqueles que esperam ser professores. Observe-as na tabela a seguir:

Fonte: Pisa 2015, OCDE. Tabulado por Iede.

Alemanha: país tem a maior diferença entre a média de quem espera ser professor e a média geral dos alunos

Os estudantes que esperam ser professores na Alemanha obtiveram 42,9 pontos a mais em matemática, 52,5 em ciências e 59,1 em leitura em relação à média geral dos alunos do país. É maior diferença entre os participantes do Pisa.

Na classificação geral da avaliação, a Alemanha ficou na 16ª posição em matemática, 18º em ciências, e 12º em leitura. No entanto, se os alunos que esperam ser professores formassem um país ocupariam a 1ª posição em ciências e leitura e a 2ª em matemática, atrás apenas de Cingapura.

Veja nas tabelas a seguir os 20 países que apresentam as maiores diferenças entre quem espera ser professor e a média geral dos alunos:

Fonte: Pisa 2015, OCDE. Tabulado por Iede.

Taiwan: médias mais altas em ciências e matemática entre quem espera ser professor

Considerando somente os alunos que esperam ser professores no futuro, os estudantes de Taiwan são os que obtiveram as notas mais altas em matemática (583.8) e em ciências (569.8), dentre todos os 70 avaliados. Já a nota mais alta em leitura foi obtida por alunos da Alemanha (568.3 pontos).

Fonte: Pisa 2015, OCDE. Tabulado por Iede.
*B-S-J-G compreende as cidades de Beijing, Shanghai, Jiangsu e Guangdong

Suíça e Noruega também se sobressaem: enquanto na classificação geral ficam em 19º e 25º lugar (em ciências), respectivamente, quando consideradas apenas as médias de quem espera ser professores passam para 7º e 10º.

“Apesar de não ser novidade o problema da baixa atratividade da carreira docente no Brasil, acredito que a importância desses dados está em apontar que é possível tornar a carreira docente atrativa. Claro que não é algo simples e é algo que toda a América Latina tem tido dificuldade, mas Japão e Finlândia, por exemplo, seguiram esse caminho em períodos econômicos difíceis e conseguiram transformar seus sistemas educacionais”, considera Ernesto Faria.

Como aumentar a atratividade da carreira docente?

Formado em História e em Engenharia, João Paulo de Araújo leciona em três escolas da cidade de Leopoldina (MG), duas estaduais e uma particular, e diz que é hoje um educador “muito feliz”. Mas conta que a carreira docente também não foi sua 1ª opção.

“Fui fazer História porque não tinha sido aprovado em Engenharia. Depois, quando fui aceito em Engenharia, já estava muito envolvido com educação e continuei. Adoro dar aulas. Mas aos 16 anos não sonhava em ser professor e muito em razão da imagem que a profissão tem”, conta ele, que foi um dos 10 ganhadores do Prêmio Educador Nota 10, em 2013.

Hoje, ele tenta encorajar os bons alunos que se inspiram nele a seguirem na área.

“Cerca de 10 alunos do ensino médio vieram comentar comigo este ano que querem ser professores, mas a primeira preocupação que trazem é essa: ‘Minha família não aceita, fala que não vou ganhar dinheiro’. Eu sempre digo que trabalho é parte importante da vida e é preciso gostar do que se faz e, que se eles forem bons, terão sucesso”, diz.

Para ele, é importante os alunos (e a sociedade como um todo) perceberem que o professor também pode ser um profissional realizado: “Eu tento mostrar, pelo meu exemplo, que professor vai para congresso, seminários, estuda, faz projetos com a comunidade e também viaja e se diverte”.

Para além do status social e da remuneração, especialistas e educadores destacam a necessidade de se discutir estrutura da carreira e perspectivas de crescimento. O Brasil tem o imenso desafio de manter os bons professores na educação básica e, especialmente, na escola pública. “Percebo na prática que os melhores vão fazer mestrado, doutorado e acabam saindo da rede pública ou indo para a direção. Acredito que são esses bons professores que vão inspirar bons alunos a seguirem a profissão”, completa João.

Acesse o estudo “O perfil dos jovens que esperam ser professores” na íntegra