Caso fossem países, todos os estados brasileiros ficariam entre os 10 piores do Pisa
Caso os estados brasileiros fossem países, todos estariam nas 10 últimas colocações entre os 53 países e economias avaliados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) 2015. Esse é um dos apontamentos do estudo “Um Panorama sobre Resolução Colaborativa de Problemas no Brasil”, do Portal Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), que fez tabulações inéditas com base nos microdados do Pisa 2015, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Acesse aqui um pdf com o estudo na íntegra.
A melhor média entre os estados foi obtida pelo Espírito Santo, com 441.2 pontos (intervalo de confiança entre 436.3 e 446.1). Comparando com os países, o Espírito Santo ficaria à frente de Tunísia, Montenegro, Peru, Turquia, Colômbia e México. Considerando o intervalo de confiança, estaria no mesmo patamar de Emirados Árabes, Costa Rica, Tailândia e Uruguai.
Nem mesmo o melhor estado brasileiro atinge a pontuação do Chile (457.1 pontos), país com bom nível educacional, e que figura na 38ª posição entre os 50 países/regiões considerados pelo Iede.
Depois do Espírito Santo, as notas mais altas foram obtidas por Santa Catarina (435.1, com intervalo de confiança entre 430.1 e 440.1), Distrito Federal (435.06, com intervalo de confiança entre 430.2 e 439.9) Paraná (433.27, com intervalo de confiança entre 426.7 e 439.8) e Rio Grande do Sul (423.7, com intervalo de confiança entre 418.9 e 428.6).
Já o estado brasileiro que obteve a pior pontuação foi Alagoas, com 378 (intervalo de confiança entre 373.1 e 382.9). Os cinco estados com as médias de proficiência mais baixas são, além de Alagoas, Maranhão (382.1, com intervalo de confiança entre 377 e 387.2), Bahia (385.3, com intervalo de confiança entre 381.1 e 389.5) Tocantins (385.3, com intervalo de confiança entre 381.3 e 389.4) e Paraíba (390.8, com intervalo de confiança entre 385.9 e 395.7).
A média de proficiência geral do Brasil em resolução colaborativa de problemas foi 411.7, o que coloca o país na penúltima posição, à frente apenas da Tunísia.
O diretor e fundador do Iede, Ernesto Martins Faria, aponta a necessidade de reflexão sobre esses resultados, principalmente do ponto de vista de política pública.
“É muito preocupante que mesmo os estados mais favorecidos economicamente e socialmente tenham resultados tão negativos na educação. Esses dados são importantes para discutirmos políticas públicas e por que, atualmente, nenhuma região do Brasil tem sido eficaz no ensino de resolução colaborativa de problemas”, destaca Ernesto
Veja na tabela a seguir a média de proficiência por estado:
Desigualdades regionais
Todas as regiões brasileiras tiveram pontuações muito baixas e abaixo da média dos países da OCDE. A região Sul é a que obteve a melhor média: 430.4, com intervalo de confiança entre 427.3 e 433.5. Se fosse um país, ultrapassaria apenas Montenegro (415,7), Peru (417.8) e Turquia (422.4) e estaria estatisticamente no mesmo patamar de Colômbia (429.4) e México (433.1).
No Nordeste e Norte brasileiro a situação é ainda mais desafiadora. A nota média da região Nordeste, a mais baixa do país, foi 391 (intervalo de confiança entre 389.4 e 392.6). Da amostra de 7.335 alunos avaliados, 5.549 estavam no nível 1 ou abaixo. Já no Norte, da amostra de 6.313 alunos, 4.006 tiveram baixo desempenho, isto é, ficaram no nível 1 ou abaixo.
A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Raquel Guimarães, mestre em Educação Internacional Comparada e doutora em Demografia, explica que, para o Pisa, resolução colaborativa de problemas envolve três competências: estabelecer e manter o entendimento compartilhado; tomar medidas adequadas para resolver um problema; e estabelecer e manter a organização da equipe.
“Nesse sentido, fica claro que o indicador reflete um acúmulo de experiências educacionais dos estudantes com trabalhos em equipe, dinâmicas em grupos e realização de projetos. No Brasil, contudo, esse tipo de dinâmica em sala de aula é pouco usual, o que pode estar refletindo num baixo desenvolvimento dessas habilidades”, diz Raquel.
Já Tadeu da Ponte, professor do Insper e pesquisador do comitê técnico do Iede, ressalta que os resultados, além de apresentarem correlação com o nível socioeconômico (alunos de melhor desempenho têm nível socioeconômico mais alto), também são reflexos dos problemas mais básicos da educação brasileira.
“Fica difícil dizer que falta a cereja do bolo quando não há nem bolo. O Pisa mostra o baixo desempenho do Brasil em leitura, matemática e ciências. Resolução de problemas é uma competência mais ampla, que demanda habilidade de leitura, interpretação, síntese de informações, matemática, raciocínio lógico, entre outras. É difícil desenvolver resolução de problemas, ainda mais de forma colaborativa, com tantas defasagens na base”, considera Tadeu.
Apenas para relembrar, no último Pisa (2015), foram avaliadas 70 nações/regiões, e o Brasil ficou em 59º lugar em leitura, 63º em ciências e 65º em matemática.
Meninas foram melhores do que os meninos em nota média
As meninas foram melhores do que os meninos em nota média em resolução colaborativa de problemas. A nota média delas no Brasil foi 420.6 (com intervalo de confiança entre 419.3 e 421.9), 17 pontos à frente da dos meninos, que obtiveram 402.30 (intervalo de confiança entre 400.9 e 403.7). Enquanto 15,2% das meninas tiveram desempenho igual ou superior à média da OCDE (500), 12,2% dos meninos chegaram a esse patamar.
Em 23 estados, a nota média delas foi estatisticamente mais alta do que a nota média deles. No Amapá, a diferença entre os sexos foi a maior registrada no país, chegando a 30.1 pontos.
Em quatro estados, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, apesar delas terem obtido médias maiores, há intersecção entre os intervalos de confiança deles e delas. Isso significa que, nesses estados, a diferença entre os sexos não é considerada estatisticamente significante.
Ao olhar para esses números, Raquel Guimarães explica que é preciso cautela a fim de evitar estereótipos de gênero também em relação aos meninos.“Uma análise adicional, através de medidas de efeito, como o D de Cohen, mostra uma diferença pequena entre os sexos. E, ainda que elas tenham sido melhores que eles em média, isso não significa que não existam meninos com alta capacidade de resolução colaborativa de problemas”, pondera.
Especialistas destacam que não há evidências de que elas tenham mais habilidade nata do que eles para resolver problemas em grupo e que os resultados, provavelmente, refletem construções sociais.
“Minha impressão é que acreditamos que as mulheres são mais colaborativas e as incentivamos desde casa, e não somente na escola, a serem mais receptivas a negociações e trabalhos em conjunto. Ao mesmo tempo, incentivamos mais os meninos à competição”, considera Regina Madalozzo, pesquisadora de Economia do Gênero, professora do Insper e integrante do comitê técnico do Iede.
Perfil dos alunos de alto e baixo desempenho
A análise dos microdados do Pisa 2015 mostra que alunos com bons resultados em resolução colaborativa de problemas têm pais mais participativos, nível socioeconômico maior e querem ser “os melhores no que fazem”. Por outro lado, alunos com baixo desempenho sentem-se mais sozinhos na escola, repetiram de ano mais vezes e quatro a cada cinco não têm expectativa de concluir o ensino superior. Leia aqui todos os dados de perfil dos alunos.
O que o Brasil precisa fazer para melhorar a média em resolução colaborativa de problemas?
De acordo com estudiosos do tema, é preciso ter objetivos claros para as habilidades que serão avaliadas e, principalmente, investir na formação dos professores para trabalharem essa competência na sala de aula. “O currículo deve incorporar, de forma transversal às áreas do conhecimento, a possibilidade de desenvolvimento dessas competências para a resolução colaborativa de problemas. No caso dos docentes, é fundamental a mudança de paradigma da sala de aula, incorporando, por exemplo, o conceito de salas invertidas, em que o professor tem o papel de mediador/facilitador, liderando discussões, dinâmicas e atividades em grupos e realizações de projetos. Mas, para tudo isso, é preciso que o professor esteja preparado”, afirma Raquel, que integra a Comissão Assessora de Especialistas para Avaliação de Políticas Educacionais do Inep. Veja aqui a opinião de outros especialistas sobre o que é preciso para o Brasil avançar.