O “Escola Sem Partido” na Alemanha e nos Estados Unidos

2018-11-12T05:24:32-03:00 25/10/2018|

Estudo mostra resultado de iniciativa semelhante nos EUA. Na Alemanha, partido criou site para que professores “não neutros” sejam denunciados

Por Ernesto Martins Faria, para a coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola 

A fim de contribuir para uma discussão mais qualificada de Educação, o Iede organizou um documento com análises das principais propostas de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) para a área. Todos os pesquisadores do comitê técnico do Iede contribuíram, assim como pesquisadores convidados. No total, 14 pesquisadores participaram, incluindo nomes como Simon Schwartzman (sociólogo, ex-presidente do IBGE), Paula Louzano (diretora da faculdade de Educação da Universidad Diego Portales, Chile), Telma Vinha (professora da Unicamp e que já foi colunista da Nova Escola) e Daniel Santos (professor da USP).

Uma das análises, de Regina Madalozzo e Charles Kirschbaum (ambos professores do Insper), aborda a proposta de Jair Bolsonaro de instituir o “Escola Sem Partido”, que quero abordar mais a fundo aqui. O candidato já defendeu o projeto diversas vezes. Em seu plano de governo, não cita a Escola Sem Partido, especificamente, mas diz que “um dos maiores males atuais é a forte doutrinação”.

Nesta semana, o jornal Folha de S. Paulo destacou o assunto em duas reportagens. Outra motivação para falar deste tema é que estou em Berlim, a estudos, e acompanhando parte da discussão sobre iniciativa semelhante no país.

Primeiramente, o que é o “Escola sem Partido”? É um movimento de pessoas da sociedade civil que possui apoio de alguns deputados (federais e estaduais), que exige uma neutralidade dos professores, de modo que eles não exponham sua opinião nas salas de aula e também não estimulem alunos à participação política. O site EscolasemPartido.org se intitula como “uma iniciativa conjunta de estudantes e pais preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior”.  O site diz que: “A pretexto de transmitir aos alunos uma ‘visão crítica’ da realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo.”

Esse tipo de movimento não é inédito, como abordou a Folha de S. Paulo. Então, o que as pesquisam mostram sobre a iniciativa onde ela já foi implementada?

No artigo que fizeram, Charles Kirschbaum e Regina Madalozzo abordam o que as evidências internacionais mostram sobre o Escola sem Partido. Eles trazem um estudo muito interessante sobre o tema, intitulado “Unsettled relations: Schools, gay marriage, and educating for sexuality. Educational Theory”. O texto de Cris Mayo mostra, segundo eles, “que em várias experiências ocorridas nos Estados Unidos, a neutralidade exigida aos professores não foi traduzida em uma neutralidade no ensino em si. Ao contrário: a partir do silêncio obtido e do vácuo criado, os estudantes com opiniões mais fortes prevaleciam com relação à opinião dos mais fracos.”

Outra questão que surge, e de grande importância, é sobre o papel da escola na elaboração de valores. E, no contexto dessa discussão, apresento o cenário na Alemanha. Aqui, o partido de extrema-direita AfD, elaborou um site para os alunos denunciarem professores que não se mostrassem neutros em sala de aula. O site se chama Neutrale Schule Berlin (veja aqui). É um site vinculado ao partido, como a própria homepage mostra. O partido, por suas posições radicais, costuma receber críticas de xenofobia e fascismo. Não vou entrar no mérito se o partido tem ou não essas posições. No entanto, tal iniciativa ter um vínculo com um partido político já gera um questionamento sobre a neutralidade exigida. Afinal, os professores devem ser completamente neutros ou o que não podem é discutir questões que de alguma forma questionem os posicionamentos do partido?

Assim, a iniciativa pode ser vista como uma censura. Os professores da escola Lina Morgenstern, de Berlim, veem dessa forma. E, de forma crítica, escreveram uma carta ao partido AfD (trechos traduzidos para o inglês em reportagem do jornal britânico The Independent) se autodenunciando. Alguns trechos (traduzidos):

“Damos grande importância a estarmos nesta lista porque continuaremos a garantir que os alunos da escola tenham o poder de compreender o caráter do seu partido”.

“Faremos isso em sala de aula e estaremos de acordo com o Consenso de Beutelsbach [uma política sobre a apresentação de assuntos controversos] e com o Artigo 1 da Lei de Educação de Berlim. Informaremos nossos alunos quando membros e funcionários de seu partido se envolverem em atividades racistas, desumanas, sexistas, revisionistas históricas, antissemitas ou antidemocráticas que ponham em risco nossa coexistência pacífica na sociedade”.

Novamente, ressalto que não estou entrando no mérito sobre o partido ou se os professores estão corretos ou não nos argumentos, o que quero ilustrar com o exemplo é que um discurso totalmente neutro nunca vai existir. E, por outro lado, o papel da escola no desenvolvimento de valores e na preservação dos direitos humanos é essencial, principalmente a alunos com pouco acompanhamento familiar e/ou envolto em ambientes de violência e preconceito. Tanto a experiência americana como a alemã apontam reflexões.

Ernesto Martins Faria é diretor-fundador do Iede e doutorando em Organização do Ensino e Formação de Professores na Universidade de Coimbra.

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Acesse aqui um pdf com as 10 análises das propostas de educação