Por que a escola precisa falar sobre saúde emocional

2019-10-11T13:43:20-03:00 11/10/2019|

Tema é delicado, mas não pode ser ignorado e a escola deve atuar para o desenvolvimento emocional e psicológico dos alunos

Por Priscilla Albuquerque Tavares, para a coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola

A cada dia, 32 pessoas cometem suicídio no Brasil, segundo dados da organização Mundial da saúde (OMS). Este é um fenômeno de entendimento complexo e com múltiplas causas. Sabe-se, no entanto, que a depressão está presente na maioria dos casos. Ainda segundo a OMS, a faixa etária com o maior aumento do número de casos é a de 11 a 19 anos. A escola, portanto, não pode se ausentar dessa discussão: precisamos urgentemente falar sobre a saúde mental das crianças e adolescentes.

A depressão pode ser desencadeada por uma série de fatores, dentre os quais a ansiedade e o estresse. Estes podem estar associados a experiências enfrentadas pelo estudante na esfera pessoal, tais como o desemprego e severa privação financeira de seus pais ou responsáveis; problemas de saúde consigo ou um membro da família; luto pela perda de um ente querido; encarceramento de um membro da família; separação ou divórcio dos pais; discriminação; violência doméstica; abuso psicológico, físico ou sexual.

Mas, para além do âmbito pessoal, muitas fontes de ansiedade também residem na escola: a responsabilidade para lidar com inúmeras tarefas simultaneamente; a cobrança por bons resultados (imposta pela família, pelos professores ou pelo próprio aluno); o medo de falhar; a competição com outros estudantes; as relações conflituosas com colegas ou professores. Todas essas são situações promotoras de estresse entre crianças e adolescentes.

Por um lado, as situações adversas são fonte de aprendizado necessário e inexorável. Entretanto, o constante estado de apreensão pode resultar em menores níveis de autoestima, auto eficácia e motivação intrínseca para a estudar. Infelizmente, o estresse afeta as capacidades cognitivas e torna-se uma barreira para o sucesso acadêmico. Dessa forma, os resultados mais temidos pelo estudante – uma reprovação, por exemplo – podem acabar ocorrendo.

No entanto, essa talvez seja a menor das consequências das desordens de natureza emocional ou psicológica. Indivíduos que sofrem com doenças ou transtornos mentais têm menos chances de completar o Ensino Médio e ingressar no Ensino Superior, de acordo com o estudo de Mojtabai e outros pesquisadores, realizado em 2015. Já os estudos de Blumenthal e outros pesquisadores (2010), Turner e outros estudiosos (2011), Benjamin e outros pesquisadores (2013), Barret e outros estudiosos (2015) mostram que eles têm mais chances de se tornarem pais na adolescência; mais chances de consumir álcool e drogas e de se envolver em atividades ilícitas, além de maiores chances de se envolver em acidentes fatais ou cometer suicídio. Wilson e Deane (2010) ainda mostram em sua pesquisa que adolescentes depressivos são menos propensos a procurar ajuda de amigos e familiares diante de dificuldades enfrentadas no dia a dia.

A boa notícia é que o ambiente escolar exerce bastante influência sobre o bem-estar dos estudantes e sobre as conquistas acadêmicas e pessoais que eles são capazes de obter. Não estou sugerindo criar “zonas livres de tensão”. Além de isso não ser possível, nem mesmo seria desejável. O estresse faz parte da vida cotidiana e, na dose correta, auxilia na execução de atividades do dia a dia. Logo, aprender a lidar com ele é fundamental.

Mas há muitas maneiras pelas quais a escola pode atuar para o desenvolvimento emocional e psicológico dos alunos e para a prevenção de doenças ou transtornos dessa natureza e suas inúmeras consequências. Abordagens de redução do estresse entre estudantes incluem:

  1. Uma rede de relações sociais saudáveis entre os membros da comunidade escolar – com a realização de atividades e eventos de recreação, lazer e cultura que integre alunos, professores e funcionários;
  2. Apoio de orientação pedagógica, que ajude os alunos na gestão do tempo e organização de rotinas e ofereça suporte para dificuldades acadêmicas;
  3. Atendimento psicológico especializado, com profissional qualificado disponível para atendimento coletivo e individual. Há evidências de que estudantes que possuem acesso a serviços de apoio à saúde mental dentro das escolas não só apresentam melhor desempenho acadêmico, como apresentam melhor estado geral de saúde, são menos propensos ao abuso de substâncias (como álcool, cigarros e outras drogas) e ao comportamento de alto risco de forma geral (como dirigir embriagado).

O mecanismo que explica esse canal é muito claro. Procurar ajuda para uma dor psicológica nem sempre é fácil: como explicar o que estou sentindo, se nem mesmo eu sei ao certo o que está acontecendo? Serei compreendido? Serei julgado? Essas perguntas, que vêm à cabeça da criança ou do adolescente, são frutos das respostas que nós, pais e professores, damos às suas questões emocionais. Por exemplo, temos a tendência de ignorar ou amenizar sinais claros de estresse e ansiedade, como o cansaço e a hostilidade, e até mesmo colocar a responsabilidade no comportamento de quem é vítima desses transtornos: “você está cansado porque não dorme direito” (dormir mal não é sempre uma escolha, às vezes é outro sinal de que algo está errado). Ao sentir-se desconfortável e incompreendido, o estudante se isola e tenta lidar com esses problemas sozinho. Por essas razões, canais de comunicação ativos e apoio psicológico de fácil acesso podem aumentar a predisposição da criança ou do adolescente a pedir ajuda. Com assistência profissional, é mais fácil identificar as causas, prescrever tratamento adequado e evitar consequências mais severas em sua vida acadêmica, pessoal e familiar.

É importante destacar que a atuação da escola sobre a promoção do desenvolvimento emocional deve contar com profissionais especializados (psiquiatras, psicólogos, terapeutas). Para lidar com essas questões de maneira adequada, é preciso adotar metodologias e abordagens comprovadamente eficazes com embasamento científico. A saúde emocional deve ser tratada com a mesma seriedade que empregamos nas questões curriculares. Não há soluções fáceis ou espaço para amadorismo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que nove entre cada dez suicídios poderiam ser evitados, e os especialistas afirmam que a melhor medida preventiva é a Educação. A escola precisa enfrentar essa luta. É preciso falar sobre suicídio.

Priscilla Albuquerque Tavares é doutora em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mestre e bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo (USP). É professora da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, pesquisadora na área de Economia da Educação e autora de diversos artigos que avaliam impactos de políticas educacionais no Brasil.

Para saber mais sobre o assunto:

Alezandria K. Turner, Carl Latkin, Freya Sonenstein, S. Darius Tandon, Psychiatric disorder symptoms, substance use, and sexual risk behavior among African-American out of school youth, Drug and Alcohol Dependence, Volume 115, Issues 1–2, 2011, Pages 67-73, ISSN 0376-8716, https://doi.org/10.1016/j.drugalcdep.2010.10.012.

Barrett, D.E., Katsiyannis, A., Zhang, D. et al. Predictors of Teen Childbearing Among Delinquent and Non-Delinquent Females. J Child Fam
Stud (2015) 24: 970. https://doi.org/10.1007/s10826-014-9907-6.

Benjamin, C. L., Harrison, J. P., Settipani, C. A., Brodman, D. M., & Kendall, P. C. (2013). Anxiety and related outcomes in young adults 7 to 19 years after receiving treatment for child anxiety. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 81(5), 865-876.

Blumenthal, H., Leen-Feldner, E. W., Frala, J. L., Badour, C. L., & Ham, L. S. (2010). Social anxiety and motives for alcohol use among adolescents. Psychology of Addictive Behaviors, 24(3), 529-534.

Kaplan DW, Calonge BN, Guernsey BP, Hanrahan MB. Managed Care and School-Based Health Centers: Use of Health Services. Arch Pediatr Adolesc Med. 1998;152(1):25–33. doi:10.1001/archpedi.152.1.25.

Mojtabai, R., Stuart, E.A., Hwang, I. et al. Long-term effects of mental disorders on educational attainment in the National Comorbidity Survey ten-year follow-up. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol (2015) 50: 1577. https://doi.org/10.1007/s00127-015-1083-5.

Rahman, M., Todd, C., John, A., Tan, J., Kerr, M., Potter, R., Brophy, S. (2018). School achievement as a predictor of depression and self-harm in adolescence: Linked education and health record study. The British Journal of Psychiatry, 212(4), 215-221. doi:10.1192/bjp.2017.69.

Wilson, C.J. & Deane, F.P. Help-Negation and Suicidal Ideation: The Role of Depression, Anxiety and Hopelessness. J Youth Adolescence (2010) 39: 291. https://doi.org/10.1007/s10964-009-9487-8.

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