Ponte: Por que é importante falar de educação sexual nas escolas

2018-11-22T09:09:20-03:00 15/11/2018|

Tratar de educação sexual na sala de aula contribui na prevenção de doenças e minimiza o risco de uma gravidez precoce; além disso, ajuda as crianças a identificar o que é e como denunciar um abuso sexual

Por Larissa Darc, especial para a Ponte

A escola não é pra aprender a fazer sexo. Quando o pai bota o filho na escola, quer que ele aprenda alguma coisa”. A frase, proferida pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) em uma transmissão realizada em seu perfil do Facebook, na sexta-feira (9/11), foi uma resposta ao debate que tem tomado as redes sociais nos últimos dias. Afinal de contas, as escolas devem ou não tratar de sexualidade em sala de aula? Especialistas explicam a importância de falar sobre o assunto com as crianças.

O debate tem crescido desde as eleições passadas. Na semana anterior à fala de Bolsonaro, o deputado Flavinho (PSC-SP) apresentou uma nova redação do projeto Escola Sem Partido à Câmara dos Deputados, restringindo a atuação de professores em relação ao ensino sexual. O uso dos termos “gênero” e “orientação sexual” também ficariam proibidos nas salas de aula de todo o país.

A psicóloga e doutora em educação pela UNESP (Universidade Estadual Paulista) Mary Neide Figueiró, de 63 anos, considera a investida sobre a educação, especificamente ao conteúdo que envolve a sexualidade, um ataque à liberdade de ensino. “A educação sexual é o inverso da erotização da criança. Ela tem a finalidade de levar informação e conhecimento sobre tudo o que diz respeito ao corpo, para que as pessoas entendam de onde vieram”, sustenta Figueiró.

Mary Neide, que é autora do livro Educação sexual: saberes essenciais para quem educa, explica que a “erotização precoce da criança seria o incentivo de toda e qualquer atitude gestual, de vestimenta ou de dança semelhante à adolescência”. A psicóloga defende que perguntar para a criança sobre ‘namoradinhos’ também é um tipo de erotização precoce.

O projeto Escola Sem Partido vai contra esta lógica. Ele propõe que a educação sexual e moral aconteça dentro de casa, não nos ambientes escolares, por meio de conversas com a família. Mas, de acordo com uma estimativa da UNICEF (Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas), registros apontam que 9 em cada 10 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são cometidos por um conhecido das vítimas. Grande parte é parente.

“Uma criança que entende o que é sexo está mais preparada para não ser vítima do abuso sexual”, garante a especialista. Segundo Mary Neide, a ideia do projeto poderá propiciar um entendimento ainda menor sobre sexualidade e do que se trata um abuso. “A ingenuidade torna esse indivíduo um ser vulnerável, que não entende o que se passa quando ele se vê envolvida em contato sexual com uma pessoa mais velha”, afirma a psicóloga.

Para a educadora sexual Lena Vilela, 63, tanto os pais quanto os professores precisam estar preparados para responder corretamente às perguntas das crianças. Sem um cuidado específico para lidar com o tema, o ensino fica comprometido. “As crianças têm um vínculo muito forte com os professores e é normal que apareçam questões dentro da sala de aula”, explica.

Ela argumenta que existe uma abordagem mais adequada para cada faixa etária. “Nas aulas de ciências, a partir do 7° ano, é preciso conversar sobre o impacto da puberdade no corpo do adolescente para desenvolver responsabilidade e consciência para a proteção de doenças e gravidez”, sustenta Vilela.

Esse ano, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou um relatório que mostra que o Brasil tem gravidez acima da média latino-americana quando se trata de mães jovens. O levantamento indicou que a cada mil garotas, a taxa é de 68,4 que se tornam mães antes dos 20 anos.

Os dados de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis também são alarmantes: nos últimos 10 anos, o número de novos casos de HIV diagnosticados no país quase que triplicou entre os jovens de 15 a 24 anos.

Escola com diversidade

Outra polêmica é a abordagem de gênero e sexualidade nas instituições de ensino. Os apoiadores do Escola Sem Partido acreditam que conteúdos ligados ao combate da LGBTfobia (preconceito contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) se enquadram em uma suposta doutrinação para “ideologia de gênero”.

Em contraposição à proposta, surge o movimento “Escola com diversidade”. Em uma carta, organizada pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), professores e pesquisadores argumentam pela promoção de diversidade de opiniões e combate à discriminação.

Apoiado na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, e nas Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos, o movimento defende a autonomia dos educadores e a formação para cidadania.

“Temos preocupação com a liberdade de expressão e com as questões que precisam ser garantidas no processo de aprendizagem. Muitos alunos precisam de um trabalho em cima de valores para terem um entendimento crítico sobre a sociedade em que vivemos”, defende Ernesto Martins Faria, diretor executivo do Iede. “A sala de aula precisa ser um lugar onde questões ligadas ao preconceito possam ser discutidas”, completa.

Gustavo Empinotti, 26, presidente do Movimento Mapa Educação, reforça a importância de uma educação sem preconceito. “Os dados mostram que crianças que são lidas como LGBT sofrem muito bullying e discriminação. Acredito que ao falar com os estudantes sobre o respeito, podemos diminuir a violência”.

De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Estudantes LGBT, realizada pela ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis), 73% dos jovens entre 13 e 21 anos já foram vítimas de agressão verbal na escola em função de seu gênero ou sua sexualidade.

“Grande parte da população que defende o Escola Sem Partido acha que, ao se falar sobre sexualidade na escola, estaríamos sexualizando as crianças muito cedo ou ensinando-as a ser LGBT, o que é absurdo. Não é possível influenciar a sexualidade de ninguém e nem é esse o objetivo. Falamos sobre direitos humanos porque queremos ensinar as crianças a serem cidadãos conscientes”, explica Empinotti.

Mary Neide também argumenta em defesa do ensino como uma ferramenta de enfrentamento ao bullying. “Explicar para uma criança que o homossexual é aquela pessoa que sente atração por uma pessoa do mesmo sexo e que transexual é uma pessoa que não se identifica com o corpo biológico, não vai tornar ninguém homossexual porque isso não é uma questão de escolha. É uma questão de identidade pessoal”, defende a psicóloga.

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