Para melhorar o convívio, escolas devem estimular protagonismo infanto-juvenil

2019-04-04T08:58:02-03:00 04/04/2019|

Ter grupos de alunos que atuam como conselheiros e apoiam os colegas contribui para clima escolar positivo. Conheça as Equipes de Ajuda, implantadas em 14 escolas

Por Telma Vinha, para a coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola 

A construção de um clima escolar positivo passa pela melhoria da qualidade das relações entre os professores e alunos, mas também entre pares. O desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e morais também necessita de boas relações, assim como a vivência cotidiana pelos estudantes dos valores e competências que gostaríamos que desenvolvessem. Mas como fazer isso?

Diversas pesquisas (Avilés, 2013; Cowie, 2005; Tognetta, Martinez e Daud, 2017) apontam o protagonismo infanto-juvenil como muito relevante para a superação dos problemas de convivência na escola. É altamente recomendado propiciar um ambiente em que os alunos sejam incentivados a ajudarem os outros e a se importarem com quem convivem.

Nos Estados Unidos, Inglaterra e Espanha, entre outros países, existem vários tipos de protagonismo dos estudantes, na forma de Sistema de Apoio entre Iguais (SAI), tais como:

  1. alunos tutores, que acompanham os estudantes que necessitam de ajuda, apoio acadêmico e de orientação sobre as atividades em sala de aula;
  2. “irmãos mais velhos”, que servem como guias para os alunos recém-ingressados para que não tenham ajuda até que se situem;
  3. alunos mediadores de conflitos entre os colegas;
  4. cybermentores, responsáveis por auxiliar os estudantes em como utilizar as ferramentas virtuais, com o intuito de alertá-los sobre a exposição pessoal desnecessária, ajudando-os em situações de risco ou de agressões virtuais.

O que esses programas têm em comum é o fato de não estarem centrados na atuação direta dos adultos (gestores, docentes), mas valerem-se da proatividade do aluno, que passa a ser responsável por determinadas ações junto a seus colegas visando promover maior apoio e uma convivência mais favorável para todos.

No Brasil, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), da Unesp e Unicamp, tem implantando em escolas as chamadas “Equipes de Ajuda” (EA), que são grupos de pré-adolescentes e adolescentes que atuam como conselheiros e apoiam os colegas que têm dificuldades, enfrentam problemas ou sofrem bullying, acolhendo-os e colocando-se a serviço dos que mais precisam. Esse trabalho tem sido coordenado pela Dra. Luciene Tognetta e, desde 2015, foram implantadas Equipes de Ajuda em 14 escolas públicas e particulares.

Como funcionam as Equipes de Apoio

Após o mapeamento dos problemas de convivência e da eleição dos valores que serão defendidos, dois ou três alunos são eleitos pelos colegas da classe a partir de uma dinâmica em que a escolha é realizada de acordo com um critério de confiança, e passam a fazer parte da equipe de ajuda. Esses alunos organizam-se em grupos e apoiam os que sofrem rejeição, auxiliam na integração dos novos alunos, contribuem para a resolução de pequenos conflitos, amparam os que estão tristes, entre outras funções. A atuação é em grupo e de forma colaborativa.

Para tanto, é necessário que esses estudantes recebam formação em conteúdos que envolvem temas como empatia, assertividade, fases da ajuda, comunicação assertiva e valores. Além disso, eles têm acompanhamento de alguns professores, com quem realizam encontros periódicos. Quando há casos mais graves, por exemplo, envolvendo abuso sexual, risco de suicídio ou uso de drogas, os estudantes recorrem aos adultos para que estes deem encaminhamento. Ao implantar um processo de ajuda entre pares, envolvendo os espectadores na resolução do problema, a escola transmite duas fortes mensagens: 1. nós atuamos visando o cuidado e o bem-estar dos estudantes; 2. há colegas confiáveis aqui, a quem você pode recorrer.

Muitas vezes, os adultos desconhecem situações de bullying, solidão, depressão, automutilação, abuso no namoro, entre outros problemas vividos pelos jovens. Um estudo realizado com estudantes por Vidigal et al (2009) indicou que, conforme vão crescendo, os adolescentes relatam cada vez menos aos adultos os conflitos que vivenciam. Além da vergonha e do receio de serem censurados ou punidos, consideram que a forma como os adultos lidam com essas situações, em geral, pode piorar o problema, gerando novos desentendimentos entre eles e, não raro, fazendo com que se sintam expostos, que decaiam aos olhos dos colegas. Mas, não raro, tais situações são conhecidas pelos colegas. Vários estudos (Smith; Slonje, 2008; Tognetta et al., 2010; Livingstone et al., 2011) mostram que os pares são vistos como mais confiáveis para compartilhar os problemas. Nesse sentido, mora a força das Equipes de Ajuda na escola.

Pesquisas realizadas em diferentes países (Van Schoiack-Edstrom, Frey e Beland, 2002; Cowie et al., 2004) mostram esse tipo de participação dos alunos é efetiva para a ativação de valores como generosidade, igualdade e tolerância ao diferente.  Indicam também que as redes de apoio entre pares são mais eficazes do que outras estratégias implantadas na escola que venham por imposição de adultos. Alguns dos resultados encontrados nos estudos realizados no Brasil, coordenadas por Tognetta, mostram que, quando comparadas, há menor frequência de situações de intimidação nas escolas em que há Equipes de Ajuda do que as que não possuem, e que a presença das Equipes de Ajuda aumenta a conscientização a respeito da gravidade das intimidações e a percepção de apoio.

O protagonismo infanto-juvenil, portanto, favorece a compreensão das diferenças, contribuindo para um clima escolar positivo e aumento do pertencimento. Em equipe, os alunos aprendem a cooperar, atenuando a responsabilidade individual e promovendo a tomada de decisão compartilhada. Criar Equipes de Ajuda é apenas uma das formas de trabalhar tais competências e valores na escola. Mas não é a única. A questão principal é a escola pensar em como oferecer aos alunos mais oportunidades para praticarem a escuta, a acolhida, a empatia e o cuidado uns com os outros, de forma a compreenderem, paulatinamente, que cabe a todos zelarem pela qualidade do convívio.

Telma Vinha é doutora em Educação, professora da Unicamp e integrante do comitê técnico do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)

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