O problema não é o Hino, mas a falta de enfrentamento dos problemas educacionais

2019-03-01T12:31:52-03:00 01/03/2019|

Em pedido, com slogan de campanha política e solicitando filmagem, ministro demonstra desconhecimento de questões elementares da gestão pública

Por Adolfo Ignacio Calderón, para a Nova Escola

O debate educacional entrou novamente em efervescência. Após uma polêmica entrevista à revista VEJA, em que diz que o brasileiro quando viaja ao exterior é “canibal” e “rouba coisa dos hotéis”, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, ganhou os holofotes nesta semana com um e-mail enviado aos diretores de escolas de todo o país. Nele, solicita a leitura de uma carta aos alunos, que termina com o slogan da campanha presidencial de Jair Bolsonaro (PSL): “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, e pede também a entoação do Hino Nacional pelos estudantes, e que eles sejam filmados enquanto cantam.  Vélez solicita ainda que a gravação seja enviada ao governo: “Os vídeos devem ter até 25 MB e a mensagem de envio deve conter nome da escola, número de alunos, de professores e de funcionários”, consta no e-mail enviado por ele.

As reações de organizações da sociedade civil que atuam na área de Educação, dos mais variados espectros ideológicos, foram imediatas. Além das inúmeras críticas à atuação do ministro, é possível observar um consenso nos posicionamentos: o ministro se desgasta publicamente com assuntos periféricos e não enfrenta o cerne dos problemas educacionais do país.

O presidente da República optou por colocar na condução do Ministério da Educação (MEC) uma equipe inexperiente na gestão pública e com poucas credenciais para tais responsabilidades. Trata-se de uma medida temerária diante de um ministério de tamanha complexidade, que tem toda uma agenda em andamento, com inúmeros atores envolvidos na necessidade de construir um grande pacto nacional pela aprendizagem.

Metaforicamente, podemos afirmar que o MEC, durante o governo Temer, deixou um avião de alta complexidade em pleno voo, com uma agenda que tem como centralidade a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tal implementação envolve a participação de inúmeros atores, estados e municípios, organizações representativas como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), entre outros.

A agenda em curso é implantar um grande Pacto Interfederativo voltado para a garantia do direito à aprendizagem e da equidade escolar. Para isso, o país inteiro espera um grande ator, na figura de um ministro competente, que possa orquestrar esse Pacto. Entretanto, o que encontramos é um ministro que ganha as manchetes com temas periféricos diante da agenda em curso e as necessidades do país na área educacional. Alguém que utiliza um tempo precioso de início de governo para estar continuamente justificando-se e admitindo erros crassos publicamente e perante órgãos do governo.

Diante de uma equipe inexperiente na condução do MEC, poderíamos esperar muito ou pouco dessa gestão, a depender da habilidade do ministro em coordenar os setores, funcionários, recursos e atores sob seu comando. Uma coisa é ser neófito, outra coisa é dar sinais de evidente incompetência. Um e-mail com um pedido desse tipo demonstra que a atual equipe do MEC desconhece questões elementares, como o princípio da impessoalidade na administração pública, a garantia do respeito à imagem das crianças e cidadãos, e a autonomia e descentralização de competências entre os três níveis de governo na implementação das políticas educacionais. Além de acirrar os ânimos quando, em tom policialesco, pede o envio de registros dos atos solicitados ao próprio MEC.

Implantar uma política educacional em um sistema federativo como o nosso não funciona de forma vertical. Pelo contrário, exige muito diálogo, com o CONSED, a UNDIME, entre tantos outros importantes atores do cenário educacional, para criar consensos. Penso que entoar o Hino Nacional, entender seu belo significado, bem como preservar e exaltar símbolos e valores cívicos são fundamentais para o fortalecimento da nossa identidade nacional e não são ações incompatíveis com a BNCC. Entretanto, a estratégia do ministério definitivamente está errada. A administração do um país como o Brasil não é e nem pode ser o fundo do quintal de ninguém, tomando-se iniciativas unilaterais que se sobrepõem à autonomia de estados e municípios. As reações contrárias e de resistência dos diversos entes federados evidenciam a violação de normas que sustentam e regulam o pacto federativo.

Especificamente, no que se refere à entoação do Hino Nacional, a questão ganha contornos de grande complexidade que não se resolvem com um e-mail ou uma lei, como a assinada pelo então presidente substituto José Alencar Gomes da Silva, em 2009, que determinava a obrigatoriedade execução do Hino Nacional uma vez por semana em escolas do Ensino Fundamental públicas e privadas. Tenho convicção de que uma canetada não resolve, precisamos de diálogo, negociação, criação de consensos e, principalmente, que isso faça sentido para nossa população infanto-juvenil.

Para escrever este artigo conversei com professores e gestores de redes públicas estaduais e municipais, do estado de São Paulo, e a maioria afirmou que entoar o Hino Nacional não é uma prática recorrente, dependendo muito de cada gestor ou diretor, restringindo-se, geralmente, à abertura de eventos. Consultei também gestores de duas redes privadas de ensino também de São Paulo. Em uma delas, entoam uma vez por semana; em outra, não existe essa prática. Em uma sala com 22 alunos universitários paulistas, calouros, cada um procedente de uma escola de Ensino Médio diferente, ou seja, 22 escolas, sendo metade pública e metade privada, somente dois afirmaram que cantavam semanalmente o Hino Nacional. Acredito que essa realidade não deve ser muito diferente em outros estados da federação. Consultei um gestor de uma rede estadual do nordeste e a resposta foi taxativa: na sua percepção, na grande maioria das mais de 500 escolas existentes, se entoa o Hino circunstancialmente, em eventos.

Definitivamente, não sou daqueles que torcem pelo barco afundar ou o avião cair. O MEC tem funcionários públicos de carreira, tecnicamente competentes, com elevada formação acadêmica e técnica, que podem ensinar à equipe ministerial como pilotar, metaforicamente falando, a nave que estão conduzindo. Esses profissionais, mais do que nunca, devem ser ouvidos e valorizados.

Talvez esteja na hora do ministro apertar o piloto automático, deixar que a nave voe de forma minimamente estável, para ter tempo de entender como funciona o ministério e a administração pública, bem como conversar e ouvir os diversos atores que estão diretamente envolvidos com a garantia do direto à aprendizagem. Pensando no bem do país e de nossa infância e juventude, ainda acredito que é possível deixar de ser neófito para ser amador, porém competente.

Adolfo Ignacio Calderón é professor titular da PUC-Campinas, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, com pós-doutorado em Ciências da Educação na Universidade de Coimbra. É pesquisador do CNPq (Produtividade em Pesquisa) e membro do comitê técnico do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede).

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