Nova Escola: Quando o diretor acredita nos professores e nos alunos todos vencem

2018-10-26T12:47:42-03:00 26/10/2018|

A crença da direção no potencial dos professores e alunos é fundamental para o bom clima e para a aprendizagem

Por Nova Escola

Quando Adriane da Silva assumiu a gestão da EMEIF Coraly Julia Gonçalves Carneiro, em Assis (SP), os professores estranharam: não estavam habituados com uma diretora próxima dos docentes, à disposição para escutar problemas e com interesse no desenvolvimento individual dos alunos. “Se o diretor nos chamava, era para criticar. Nunca para discutir ideias, ouvir ou elogiar”, diz Ana Paula Candido, professora do 5º ano do Ensino Fundamental da escola. “De repente, conhecemos a dinâmica do diálogo aberto. Caiu o receio de conversar com a direção, coordenação, alunos ou pais”, completa Renata dos Santos, professora da creche da instituição.

Ao introduzir a gestão participativa, Adriane fez com que direção e educadores trabalhassem em sintonia, na mesma proposta pedagógica. E criou ainda um projeto de qualificação continuada para os docentes. Tais esforços melhoraram a convivência social, a frequência e o desempenho dos alunos já em 2016, seu primeiro ano à frente da instituição de ensino. “No trabalho horizontal prevalece o que é bom para o coletivo, e a escola é composta de vários atores. Acredito no papel do diretor como motivador dessa cadeia. Se ele encoraja o professor, impacta na sala de aula”, afirma.

Estudos mostram que a crença da direção no potencial dos educadores e dos alunos, de fato, influencia nos resultados da aprendizagem. Em 1989, a pesquisadora Kathleen Cotton indica as altas expectativas como um componente primordial das escolas eficazes. E aponta a importância de se ter líderes e professores com altas expectativas sobre seu próprio trabalho, e que se responsabilizam pelo desempenho dos alunos.

Duas décadas mais tarde, o pesquisador Kenneth Leithwood também destacou o efeito da postura dos diretores na aprendizagem, ainda que de forma indireta. No estudo Como Liderar Nossas Escolas?, ele mostra que a gestão escolar impacta em 20% no desempenho dos estudantes, quando analisados apenas fatores intraescolares.

“Apesar de não atuar na sala de aula, o diretor é quem dá sentido ao projeto pedagógico único. É preciso entender a escola como uma cadeia colaborativa, portanto nem o diretor nem os professores podem estar sozinhos. O grupo todo deve trabalhar com foco no aprendizado, que é a razão de ser de uma instituição de ensino”, explica Maura Barbosa, coordenadora pedagógica na área de gestão da Cedac.

Um objetivo comum

Mas como conseguir focar no aprendizado em meio a tantas outras atribuições, inclusive administrativas? Organizar a agenda e qualificar o tempo dos encontros regulares com os educadores é um bom começo. Em 2013, ao assumir a direção da EM Pedro Leite Monteiro, em Trindade (PE), Karlla Silva quis “desburocratizar” a hora-atividade. Ou seja, usar o tempo com os professores para falar de assuntos pedagógicos, acompanhar a avaliação dos alunos e discutir propostas de ensino.

Num desses encontros, em julho deste ano, ela identificou uma queda nas notas de Matemática e pediu ideias ao grupo. Aí nasceu o projeto Dia da Matemática, em que todos os anos iniciais do Ensino Fundamental trabalham a disciplina por meio de oficinas. “Já vemos uma melhora dos alunos na participação e nas lições de casa. Os professores estão satisfeitos porque a ideia surgiu e foi aplicada em conjunto”, afirma Karlla.

A professora Karina Pinto já passou por experiências em que tentou pedir ajuda à direção, mas não foi ouvida. Há alguns anos, diante de problemas de comportamento, organizou rodas de conversa para ensinar princípios de convivência. Também preparou atividades extras para alunos com dificuldades. Tudo isso sem o suporte da gestão. “Ouvi várias vezes que minhas ideias não dariam certo, que meus estudantes não tinham futuro, que a comunidade nunca mudaria”, lembra ela.

Hoje, professora do 4º ano da EE José Ferreira Maia, em Timóteo (MG), e do 5º ano da EM Argeu Brandão, na vizinha Coronel Fabriciano (MG), ela recebe o suporte de seus diretores em quase tudo o que precisa. E consegue ver a diferença no desempenho dos alunos. “Educar é um processo de vários atores. Se um não está disposto, o ciclo fica prejudicado.”

Proximidade e empatia

Fazer com que a comunidade escolar trabalhe para um mesmo objetivo exige habilidades de gestão de pessoas. Além de delegar funções e confiar, o diretor precisa saber a melhor forma de trazer assuntos sérios. “Ele não deve ser impositivo, mas legitimar sua autoridade e conhecer estratégias de comunicação para passar seu recado e discutir ideias sem pré-julgamentos”, diz Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede). Para mostrar que estava aberta ao diálogo, Ana Elen Moitinho colocou um confortável sofá em sua sala assim que assumiu a gestão do Centro de Ensino Fundamental 15, em Gama (DF), em 2008. Desde então, sempre convida os professores para tomar um café e conversar para entender em que pode ajudar. “Procuro estar próxima e motivar. Acho importante apoiar qualquer prática que vá ao encontro do projeto pedagógico e das necessidades dos alunos”, diz. Essa percepção foi construída ao longo de seis anos como professora e quatro como coordenadora. Muito porque trabalhou com gestores autoritários e ausentes, que impactaram negativamente na escola. Quando virou diretora, preparou-se para colocar em prática conceitos do relacionamento empático: fez cursos de gerenciamento de pessoas e de conflitos.

Trabalhando em conjunto com a comunidade escolar Ana Elen conseguiu transformar a fama da escola, na época cheia de pichações, casos de uso de drogas e infraestrutura precária. “Ela tinha o apelido de Suvaco do Diabo. Agora é chamada de Pedacinho do Céu”, conta ela, que também trouxe os pais para dentro da instituição. Em 2014, o CEF 15 tornou-se a primeira escola integral da rede, e Ana Elen e sua equipe implementaram um projeto de ensino que vai além das disciplinas comuns. À tarde, 620 alunos têm aulas de teatro e música. A ideia deu tão certo que a instituição virou referência de modelo educacional no país e recebeu, em 2017, o prêmio Gestão Escolar, do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed). O engajamento dos alunos com todas essas mudanças, por sua vez, reflete em seu rendimento. Este ano, a escola alcançou 5,9 no Ideb – há dez anos, estava em 3,1. Reflete ainda no relacionamento entre todos os atores da escola. Maria Luiza dos Santos, do 8º ano, conta que o sofá aconchegante da sala da Ana Elen não é restrito aos professores. “Já bati na porta dela para pedir ajuda e também para fazer alguma sugestão. Ela está sempre bem disponível para a gente também”, diz.

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