NEXO: Os prejuízos que a falta de diagnósticos causa à educação

2022-08-31T16:16:13-03:00 14/08/2022|

Por Ernesto Martins Faria, para o Nexo

Tivemos, recentemente, mais uma notícia desagradável para a educação e que, provavelmente, passou despercebida. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável pela coleta de dados populacionais, informou que não fará sua divulgação do Módulo Educação, que destrincha anualmente os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, a Pnad Contínua, para a área. O último relatório é de 2019, e a nota técnica do IBGE informou que não haverá a divulgação com os dados de 2020 e 2021.

Isso porque, segundo o instituto, a redução da taxa de resposta da Pnad Contínua nesses anos prejudica a comparabilidade com resultados anteriores. A taxa de resposta da pesquisa, que foi de 89,2% no 1º trimestre de 2019, caiu para 79,2% no 1º trimestre de 2020, e continuou diminuindo até chegar a 52,6% no 1º trimestre de 2021, quando começou a subir novamente. Ainda conforme o IBGE, essa queda aconteceu em razão da mudança na forma de coleta dos dados: antes presencial, foi adaptada para um modelo remoto, exclusivamente por telefone, em razão da pandemia de covid-19 e do risco de contaminação de respondentes e entrevistadores. 

A alteração na forma de coleta dos dados acarretou mudanças não só na taxa de respondentes como também nas informações obtidas: até 2019, havia um questionário básico sobre educação, aplicado trimestralmente, e um ampliado, com aplicação anual. Em 2020 e 2021, o IBGE optou apenas pela utilização do questionário básico. “O IBGE aponta as dificuldades encontradas para a coleta do tema no período mais acentuado da crise sanitária de covid-19 e expõe sua decisão sobre a não divulgação desses dados específicos de forma a garantir o rigor estatístico necessário ao órgão central de estatística”, diz a nota técnica 02/2022, divulgada pelo IBGE em 22 de julho.

Com isso, a única análise feita pelo órgão sobre a educação brasileira no contexto de pandemia foi a partir da Pnad Covid, cuja coleta de dados aconteceu entre maio e novembro de 2020. Não teremos, portanto, informações oficiais do IBGE  para 2021.

É compreensível o rigor técnico do instituto, porém, precisamos relembrar o momento absolutamente atípico vivido pela educação em decorrência da pandemia. Nesse cenário sem precedentes na história, em que o Brasil foi um dos países que ficou mais tempo com as escolas fechadas, a sociedade, em especial gestores educacionais, pesquisadores e educadores, anseiam por dados que os ajudem a entender a dimensão dos estragos, compreender o tamanho dos desafios e planejar os próximos passos.

O IBGE é uma instituição muito respeitada e de inquestionável qualidade. Por isso, seria esperado que se posicionasse mais sobre a situação educacional atual. Ao passo que se optou por não fazer análises a partir das Pnads Contínuas 2020 e 2021, há levantamentos realizados por outras organizações que tiveram ampla repercussão na mídia, e nenhum  posicionamento do IBGE sobre. Seria importante o órgão coletor buscar, mesmo que com limitações, apresentar evidências sobre o cenário  educacional em 2021, especialmente em relação à frequência escolar e às taxas de analfabetismo. Aliás, a nota técnica de julho de 2022 deveria ter sido divulgada antes, dado que os microdados das Pnads já estavam públicos. Se soubessem disso, talvez as organizações e pesquisadores tivessem utilizado-os de outra forma. 

Novamente, as pessoas querem e precisam de respostas sobre os impactos da pandemia na educação. Na ausência dessas por parte dos órgãos oficiais, as instituições e pesquisadores se organizam para obtê-las. É preocupante o IBGE não divulgar esses dados, ao mesmo tempo em que não se posiciona sobre o uso que é feito dos microdados por organizações e pesquisadores. Não há uma orientação precisa do instituto sobre quais análises e comparações podem ser feitas a partir dos dados disponibilizados por eles e quais não. 

Há um cenário de escassez de dados oficiais sobre a educação brasileira na pandemia. Lembrando que, em fevereiro de 2022, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mudou a forma de divulgação dos microdados do Enem e do Censo Escolar sob a alegação de precisar adequá-los à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). No caso do Enem, foi retirada da base a variável “escola”, impedindo, assim, análises mais aprofundadas sobre as desigualdades do nosso sistema de ensino. Em relação ao Censo, a situação é mais complexa, já que o Inep retirou os dados no nível do aluno e do professor. 

Esse cenário no Inep inviabiliza que pesquisadores pelo Brasil possam monitorar a permanência escolar nos municípios, fazer diversas análises sobre desigualdades nas redes de ensino, e estimar impactos na aprendizagem para alunos que estudam em escolas em diferentes contextos.

Temos então um cenário que: 1. o IBGE não debate publicamente com pesquisadores e instituições a situação educacional do país, ao mesmo tempo em que análises de terceiros a partir de dados coletados por eles são divulgadas na mídia; 2. o Inep inviabiliza o acesso de pesquisadores a dados educacionais fundamentais, restringindo as informações à sua “sala de sigilo”, cujo ingresso é bastante burocrático e para poucos. 

O Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) acredita que a proteção aos dados individuais e as dificuldades enfrentadas para coletar dados não são e não podem ser argumentos para não termos o compromisso com o diagnóstico da educação brasileira. Para ambos os problemas há soluções que não inviabilizam a divulgação. Embasado por diversos estudos realizados ao longo dos seus cinco anos de existência, o Iede reafirma sua convicção na importância da avaliação e do monitoramento na área de educação e de estudos que contribuam para melhores tomadas de decisões e políticas públicas na área. Para tudo isso, precisamos da disseminação de dados e análises de nossos principais institutos de pesquisa.

Por Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) e doutorando em educação pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Artigo originalmente publicado no Nexo