História de professor: José dos Santos, do interior da Bahia, coleciona projetos e prêmios

2021-10-14T15:13:23-03:00 04/10/2021|

“Cordelize a vida! Valorize sua cultura” e “Vamos Conversar” são algumas das iniciativas do educador, que é só orgulho da profissão: “Ser professor é transformar as pessoas”

“Ser professor é transformar as pessoas”. Essa é a resposta que José Souza dos Santos, mais conhecido como Augusto (nome que acabou não indo para a sua documentação), dá quando perguntamos por que escolheu a sala de aula como seu ambiente de trabalho. Dos seus 32 anos de vida, nove passou – e ainda passa – em sala de aula. Apaixonado por educação, desde pequeno quando brincava com seus primos, José poderia ter optado por estar nos tribunais, advogando ou sendo juiz já que passou para Direito, mas viu na carreira de professor uma oportunidade de transformar as pessoas. “Ser professor é ser solidário, mas isso não significa romantizar a carreira de educador. É transformar pessoas. Para ser professor, é preciso gostar de gente”.

O sétimo filho de Dona Josefa e seu João, José nasceu em Fátima, no interior da Bahia e cresceu na zona rural. Por muitas vezes, ouviu dizer que “educação era para rico, para quem é preguiçoso e não quer trabalhar”, mas persistiu, mesmo tendo que dividir os estudos com o trabalho na roça desde os 10 anos. Os pais de José são, desde sempre, seus maiores incentivadores: “Onde chegam dizem com orgulho que o filho é professor”, conta ele.

 

 

 

 

A primeira escola em que José lecionou foi a Escola Municipal Maria Dias Trindade, na zona rural de  Paripiranga (BA). Hoje, nove anos depois, ele coleciona conquistas e projetos inspiradores. Já foi reconhecido com o prêmio Professores do Brasil pelo seu projeto “Cordelize a vida! Valorize sua cultura”, em 2017, em que os alunos pesquisaram histórias com as pessoas mais velhas da comunidade e transformaram em cordéis, publicando, inclusive, um livro. Eles precisaram pesquisar no acervo de história para descobrir o que acontecia antigamente na comunidade, para comparar fatos e histórias. “Através do trabalho para a cultura local, você dá valor para a história e a cultura do aluno. É preciso respeitar e valorizar a história dele e compreender que, antes do conteúdo, tem a história do aluno”, ressalta o educador.

A obra já alçou voos na América do Sul e chegou até a Europa, na Suíça, pois pessoas próximas ao professor conheceram a obra e levaram aos países que residem. Um dos personagens mais recorrentes dos cordéis é Lampião, pois os alunos descobriram que ele passou pela comunidade. Com a venda dos livros, a turma pôde conhecer onde ele foi assassinado com seu bando. O passeio proporcionou aos alunos navegarem nas águas do velho chico (rio São Francisco) em cima de um catamarã. “Eles [os alunos] se sentiram protagonistas, importantes no processo, pois viajaram com dinheiro do livro que eles escreveram, foram ver de perto as histórias que ouviam dos pais”, orgulha-se José. 

Muitos desafios marcam a carreira de qualquer educador e com José não foi diferente. Em um certo momento da sua trajetória, ele e seus colegas passaram a ser muito procurados pelos alunos para conversar e muitos deles apresentavam sinais de automutilação. “Os alunos vinham com camisa de frio mesmo estando muito calor, até que uma menina foi chamada e ela mostrou o seu braço cortado. Foi então que montamos um projeto para solucionar”, e assim nasceu o “Vamos Conversar”, em 2018. 

Na visão dele, a  saúde mental ainda era um assunto muito delicado de ser abordado e com uma visão bastante demonizada. “A escola é espaço de construção, de construir vidas, identidade, de fazer com que as vidas sejam valorizadas”. Com o tempo, o projeto cresceu: foram realizadas  lives, eventos,  peças de teatro sobre o tema e, aos poucos, os casos foram desaparecendo. O sucesso foi tanto que o “Vamos Conversar” não pertence mais a José e  escola, mas sim ao governo municipal, pois virou política pública. “O Vamos conversar já foi replicado no Pará, no Rio de Janeiro e vai ser replicado em todas as escolas no município de Paripiranga. Não é mais meu, é de todo mundo e isso é maravilhoso!”. José recebeu dois reconhecimentos: como prática inovadora contada pelo portal PorVir e destaque estadual no prêmio Professores do Brasil.

Agora, durante a pandemia, a questão da saúde mental também afetou os professores. José conta que muitos colegas de trabalho precisaram ir ao psiquiatra pois não estavam conseguindo lidar com o peso do dia a dia, principalmente porque a carga de trabalho aumentou bastante. “A gente trabalha o triplo e fica muito triste quando falam que somos vagabundos, que não fazemos nada”. Atualmente, o professor estuda no mestrado em linguística os ataques de ódio contra professores e isso só o ajudou a compreender mais o seu papel: “Ser professor é ser resistência e precisamos comemorar isso!”.

Para o educador, mesmo com tantos desafios, “ser professor é uma das profissões mais lindas que existem”. E graças a ela, ele conseguiu realizar um sonho: publicar um livro com os alunos. O “Crônicas do meu lugar” conta o dia a dia dos alunos, da comunidade, um pouco da realidade de cada um. Com o dinheiro arrecadado com a venda, eles também conquistaram a tão sonhada colação de grau no 9º ano do ensino fundamental. “O legado que eu quero deixar é saber que eu posso transformar a vida de alguém através da educação”, frisa ele.