G1: Inep omite dados do Enem; mudança compromete análise de desempenho de alunos e desigualdade, diz ex-diretora

2022-03-16T12:44:59-03:00 23/02/2022|

Texto original publicado no portal G1, com autoria de Ana Carolina Moreno e Emily Santos

Dados da edição de 2020 foram disponibilizados sem escola e município dos participantes, e detalhes de provas anteriores foram retiradas do site. Instituto diz que alteração visa a atender a Lei Geral de Proteção de Dados.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) omitiu informações sobre a escola e município dos participantes do do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020 ao divulgar os dados detalhados sobre o exame, na última sexta-feira (18). No caso do Censo da Educação Básica de 2021, quatro das cinco bases de dados detalhados divulgadas anualmente foram suprimidas. Apenas um arquivo foi divulgado, com detalhes resumidos de cada escola. Ao divulgar os documentos na sexta, o Inep tirou do ar a série histórica dos dados do Censo da Educação Básica e do Enem, além de todos os microdados de outros censos, como o da Educação Superior, e avaliações.

A ausência dessas informações prejudica a análise do desempenho dos estudantes e a avaliação sobre as desigualdades entre eles, segundo especialistas ouvidos pelo G1 e pela TV Globo.

Em publicação, a entidade afirmou que o formato da apresentação do conteúdo foi reestruturado para “suprimir a possibilidade de identificação de pessoas”, atendendo aos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Com base nesse argumento, o Inep tirou do ar, ainda, os microdados de edições anteriores do exame, e do censo da educação básica, com o argumento de adequá-los a um novo modelo de divulgação. Mas o instituto não informou quando eles serão novamente disponibilizados.

Retrocesso de 15 anos no Censo da Educação Básica

Para Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), a decisão do Inep não se justifica com base na LGPD. No caso do Censo da Educação Básica, ele afirma que o documento divulgado na sexta não pode ser considerado “microdados”.

“Microdados é você chegar na unidade de observação”, explicou ele. “Uma unidade de observação do Censo Escolar são os alunos. Ali no Censo Escolar da Educação Básica eu vou olhar características dos alunos, que é quem é atendido pelo sistema da educação básica. Vou olhar, por exemplo, questões específicas das escolas. Do professor.”

Os dados disponíveis atualmente mostram, por exemplo, o total de matrículas de cada escola segundo a raça ou a faixa etária de cada estudante, entre outros. Mas, sem uma tabela onde cada aluno é detalhado em cada linha, não é possível fazer recortes mais específicos e análises mais aprofundadas. Não é possível fazer um cruzamento de dados para descobrir, por exemplo, se a idade média dos estudantes negros de uma escola é mais alta do que a de estudantes brancos na mesma escola ou município, um indicador de que a distorção idade-série (indicador que mede o atraso de um estudante em relação à série em que ele deveria estar naquela idade) afeta os alunos e alunas de maneira desigual.

Segundo o especialista, as mudanças aplicadas não são as necessárias para adequar os microdados à LGPD. “Tem ajustes que deveriam ser feitos para dificultar a identificação dos alunos. Mas poderiam ter adotado estratégias para dificultar essa identificação. Por exemplo: tirar a data de nascimento e colocar só a idade em diferentes datas de referência”, sugeriu ele.

Microdados do Enem também tiveram análise prejudicada

Os microdados do Enem 2020, como são chamados, foram divulgados em um novo modelo que não descreve o código de identificação da escola, os municípios de nascimento e de residência do participante e informações sobre os pedidos de atendimento especializado, específico e de recursos para atendimento especializado.

Para a economista Fabiana de Felício, diretora da consultoria Metas Sociais, a omissão destes dados pode impactar no levantamento de parâmetros importantes para a avaliação educacional. Um estudo sobre a desigualdade de acesso à escolas de qualidade por raça/cor, por exemplo, fica impossibilitado.

“O público principal dos microdados do Enem são pesquisadores, que querem entender como está a infraestrutura das escolas, o desempenho dos alunos de áreas rurais, por exemplo. O resultado disso pode vir em investimentos na educação ou em cobranças por parte da sociedade civil. Sem estes dados, o pesquisador pode mudar de área e ninguém vai saber como está o panorama da educação”.

Importância dos dados

Fabiana de Felício explica que não é a população que cruza os dados dos estudantes, mas que este é um passo importante para pesquisadores da área da educação. Isso porque identificar o participante do levantamento permitiria ao profissional acompanhar o desenvolvimento do aluno ao longo de sua vida acadêmica, por exemplo.

“Os dados são de interesse do pesquisador. O profissional precisa saber se aquele aluno que prestou o Enem chegou ao ensino superior, se prestou o Enade. As informações são cruzadas apenas para fins como este”, explica ela.

Segundo o Inep, pesquisadores ainda poderão ter acesso aos dados através do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap), que possibilita solicitar acesso a bases restritas da entidade.

Para Felício, a decisão não supre a necessidade, já que o sistema é burocrático e pode negar ao profissional acesso a dados importantes.