Em 72% dos municípios do país, 1 a cada 4 alunos cursa o 1º ano do ensino médio na idade errada

2018-06-18T10:19:37-03:00 05/04/2018|

Em 848 municípios, pelo menos metade dos estudantes do 1º do ensino médio tem mais de 2 anos de atraso escolar, mostra levantamento inédito feito por Iede e QEdu

Uma análise inédita feita pelo Iede em parceria com o QEdu, com base nos dados do Censo Escolar, mostra como está a distorção idade-série nos municípios brasileiros, isto é, a proporção de alunos fora da idade adequada para o ano que cursa. Os dados são preocupantes: em 2016, 72,1% dos municípios tinham taxa de distorção idade-série igual ou superior a 25% para o 1º ano do ensino médio. Em 15,2% (848 cidades), o percentual atingia ou
ultrapassava os 50%.

Na região Norte, o percentual de municípios com taxa igual ou superior a 50% para o 1º ano do ensino chegava a 37,6%. No Nordeste, 27,7%. É importante ressaltar: não são escolas isoladas, mas sim munícipios inteiros que têm salas de aula com metade da turma com atraso escolar de pelo menos 2 anos.

Ainda olhando para o 1º ano do ensino médio, ao considerar a taxa de distorção idade-série de pelo menos 25%, o percentual no Norte chegava a 94,9%, em 2016. Na região Nordeste, 93,1%; no Sul, 67,7%; Sudeste, 45,2%; e CentroOeste, 37,9%. Esse é o ano escolar que registra as mais altas taxas de distorção idade-série de toda a educação básica.

Razões para a distorção

Há três razões para a distorção idade-série: entrada tardia de crianças na escola, abandono dos estudos com posterior retomada e reprovação escolar. “No Brasil, é bastante razoável dizer que a causa mais frequente é a reprovação. As crianças estão entrando na escola na idade correta e a evasão, quando acontece, geralmente, é do tipo permanente”, diz Priscilla Tavares, PhD em Economia, que estuda economia da Educação.

De acordo com o Inep, entre 2014 e 2015, a taxa de reprovação para o 6º ano do fundamental foi de 14,4%. Para o 1º ano do ensino médio, 15,3%.

“No magistério há a ideia de que a reprovação é algo pedagógico, e não é. Hoje, vejo que é uma ferramenta utilizada para fazer chantagem e castigar os alunos indisciplinados. O professor diz: ‘Se você não ficar quieto, vai ver o que vai te acontecer no final do ano’. Há muita reprovação por comportamento e não nível de conhecimento”, considera Ademir Almagro, coordenador pedagógico da escola Hebe De Almeida Leite Cardoso, em Novo Horizonte (SP).

Ele, que tem 26 anos de sala de aula, faz duras críticas à reprovação, mesmo quando ligada, de fato, a problemas de aprendizagem e não à indisciplina: “Os números brasileiros são uma tragédia. O aluno que não aprendeu repete, mas o que iremos oferecer de diferente para ele no ano que vem? Se não deu certo este ano, com a estrutura que se tem, por que vai dar certo no ano seguinte?! Reprovação é a segunda chance para o erro”, completa.

Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), cita dificuldades estruturais, como muito aluno por sala de aula; de formação dos professores; e também questões ideológicas. “É importante o professor se perguntar: ‘eu, do fundo do meu coração, quero o sucesso de todos os meus alunos?’ A escola é vista como um lugar para encontrar os bons, como se fosse natural alguns ficarem para trás no processo. É comum o uso de expressões bons e maus alunos quando, na verdade, todos são alunos, e é tarefa da escola lidar com as diferenças. Mas será que ela quer isso?”, provoca.

Atraso escolar começa cedo

Já no 1º ano do ensino fundamental, 32 municípios tinham taxa de distorção idade-série igual ou superior a 25%, em 2016. No 2º ano, 72 (1.30% do total do país). No 3º ano, o número subia para 757 (13.6%).

No 6º ano, chegava a impressionantes 3002 (53.9% do total), sendo que em 523 desses municípios a distorção era igual ou maior que 50%, ou seja, metade dos alunos com atraso de pelo menos 2 anos.

“Alunos de 6 anos nem entendem porquê estão sendo reprovados e já são marcados com esse estigma. É muito grave e produz uma série de sequelas, principalmente em relação à motivação deles com os estudos”, afirma Ocimar,
complementando que evidências acadêmicas mostram que a reprovação, no geral, não agrega novo conhecimento ao aluno. “Acho que poderia ser justificável em alguns casos, como quando aluno não frequentou a escola muitos meses por problemas de saúde ou mudança de cidade. Mas são exceções.”

Priscilla Tavares ressalta que a reprovação, geralmente, acontece por defasagem parcial de aprendizagem. No entanto, a mensagem passada ao aluno é outra: “Você diz para ele que não progrediu nada e precisa fazer tudo de
novo, e o coloca em uma turma com crianças mais novas. O Brasil ignora que o 2º efeito da reprovação é a evasão”.

Diferenças regionais

As diferenças entre as regiões brasileiras também são muito significativas e desafiadoras em termos de políticas públicas. Enquanto 21,7% dos municípios nordestinos tinham mais da metade dos alunos no 6º ano fora da idade
adequada; no Sudeste, o percentual era de 0.5%.

É importante lembrar que hoje não há uma regulamentação nacional em relação à reprovação escolar. Cada estado e cidade escolhe o modelo que julgar mais adequado.

A rede estadual de São Paulo, por exemplo, adota a progressão continuada e divide o ensino fundamental em três ciclos: do 1ª ao 3º ano, do 4º ao 6º, e do 7º ao 9º, podendo o aluno ser reprovado ao final de cada um deles.

Hoje, ruim. Antes, alarmante

Se os números de 2016 são muito ruins, os índices em 2006 eram ainda mais alarmantes. Enquanto em 2016, eram 15,2% municípios com distorção idadesérie superior a 50% para o 1º ano do ensino médio; dez anos antes, eram
quase metade das cidades na mesma situação (46,1%).

Em 2006, havia 944 municípios com metade dos alunos com defasagem já no 4º ano do ensino fundamental. Em 2016, foram 62.

1% com bom fluxo escolar em todos os anos

Isso mesmo: apenas 1,4% dos municípios brasileiros, o que equivale a 76, apresentavam bom fluxo escolar em todos os anos da educação básica. Para a análise, foram consideradas apenas cidades que tivessem registrado taxas de distorção idade-série igual ou inferior a 10% em todos os anos do ensino fundamental e médio, em 2016. No grupo, há 75 municípios paulistas e um mineiro.

Se reprovar não resolve, o que fazer?

A solução não é simples e nem de curto prazo. Reprovar não resolve o problema de aprendizagem do aluno, mas só a aprovação, obviamente, também não. Segundo os especialistas e educadores consultados, combater a distorção
idade-série no Brasil envolve uma série de medidas, tais como: 1. investir na profissionalização da carreira docente, com investimento em formação inicial e continuada do professor; 2. acompanhar com mais precisão o desempenho do aluno ao longo do ano e também da sua trajetória escolar como um todo; 3. criar estruturas de apoio ao aluno, como reforço escolar no contraturno de aula e auxílio psicológico para casos mais complexos.

“Fato é que não somos preparados para sermos professores. Se eu encontrar hoje os alunos dos meus primeiros cinco anos de docência, eu peço desculpas. Naquela época, eu queria reprovar todo mundo”, admite Ademir Almagro. “Hoje, sou radicalmente contra. Mas o fato é que não temos formação e nem estrutura para lidar com os problemas de aprendizagem dos alunos. O professor fica acuado e a reposta é o ataque (a reprovação). A educação precisa ser prioridade e, nós, professores, precisamos de apoio”.

O estudo sobre distorção idade-série, feito por Iede e Qedu, embasou a reportagem “Alunos repetem de ano mais de uma vez na maioria dos municípios do País”, do O Estado de S.Paulo