Educação infantil: amigos imaginários podem entrar na sala de aula?

2018-12-06T17:27:03-03:00 06/12/2018|

Longe de ser problema, ter estes amigos demanda inteligência e pode ajudar a criança a lidar com várias demandas

Por Jordana Balduino e Diego Braga, para a coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola

Timidez? Solidão? Nada disso! Os amigos imaginários são fenômenos comuns da infância, relacionados à brincadeira de faz-de-conta e dizem muito sobre a criatividade e a imaginação das crianças. Por muito tempo, eles foram considerados característicos de crianças com falta de habilidades sociais ou até mesmo esquizofrênicas. Um grande erro, segundo Marjorie Taylor (1999).

O faz-de-conta surge entre os 18 e 24 meses de vida e se encontra muito presente na idade pré-escolar. Esta forma de brincadeira permite que a criança vá para além da sua situação ambiental e concreta, operando criativamente no campo cognitivo e imaginário. Como aponta Lev Vygotsky (2014), a imaginação não surge do “nada”, pois, enquanto brinca, vários elementos da realidade e das relações que a criança vivencia aparecem. O “brincar de escola”, por exemplo, demonstra como ela compreende e aprende a se comportar na sua própria escola.

Dentro do faz-de-conta estão os amigos imaginários, que surgem entre os dois e três anos e podem ser compreendidos enquanto um jogo de papéis com uma pessoa ou criatura imaginária, cuja identidade permanece estável por um período e se torna uma companhia para a criança. Marjorie Taylor (1999) define que os personagens variam em vivacidade, personalidade e nível de conexão com a realidade infantil. Podem ser personagens de filmes, brinquedos reais, a própria imagem no espelho, partes do corpo, desenhos, dentre outros. Podem variar em relação à persistência no tempo, sendo estáveis e perdurar por meses, ou mais passageiros, sendo constantemente atualizados.

Variam também em quantidade, podendo ser únicos, dois ou vários – como o caso de uma criança que narrou um “exército de marcianos”. Há também aquela que atribui ao ser imaginário o papel do “melhor amigo”, que acompanha, acolhe, aconselha e compartilha dos melhores e piores momentos de sua vida. Esse amigo pode ter um lugar reservado na mesa do jantar, na cama, na garupa da bicicleta e até na escola. A relação da criança com esse amigo pode ser tanto amigável quanto conflituosa, como um personagem que prega peças e faz com que compre mais cartas no jogo de cartas UNO.

Ao contrário da ideia de “anormalidade”, ter um amigo imaginário demanda muita imaginação e inteligência por parte da criança. Quando brincam desta forma, elas exploram ao máximo suas potencialidades criativas. Eles podem servir como companhia, diversão, conforto emocional, enfrentamento do medo e barganha (levando a culpa pela bagunça da criança, por exemplo). Ajudam no desenvolvimento cognitivo, do pensamento abstrato e da criatividade, além da compreensão das relações sociais (Natália Benincasa Velludo, 2014).

A brincadeira colabora essencialmente no desenvolvimento infantil, o que faz com que esse fenômeno seja tão rico nos primeiros anos de vida e auxilie a criança a lidar com as demandas da escola, da família e suas próprias necessidades.

As pesquisas no Brasil sobre esse assunto ainda são escassas, o que retoma a necessidade de se investigar mais a fundo esse fenômeno tão rico da infância. É preciso compreender melhor o perfil das crianças que os utilizam e para que servem, a fim de conscientizar pais e professores sobre as contribuições dessa forma de brincar no desenvolvimento e aprendizado da criança. Dessa forma, podemos problematizar rótulos e preconceitos a qual são submetidas.

As evidências que temos até o momento, no entanto, são positivas. O projeto A Sociedade dos Amigos Imaginários, por exemplo, fez uso desse recurso para explicar temas complexos sobre o câncer de uma maneira acessível para que as crianças em tratamento possam ter uma maior compreensão da doença, através de vídeos com seres imaginários. Eles partem do princípio que esse suporte emocional e educativo faz com que as crianças com câncer da Pediatric Brain Tumor Foundation tenham menos medo para enfrentar esse grande desafio.

Então, se um ou vários amigos imaginários quiserem entrar na sua sala de aula de educação infantil, não se assuste… guarde um lugar e vamos começar a brincadeira!

*Jordana Balduino é psicóloga, com mestrado e doutorado em Educação e professora adjunta de Psicologia da Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. (FE/UFG). Diego Braga é aluno do curso de Psicologia da Faculdade de Educação/Universidade Federal de Goiás (FE-UFG)

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