Pesquisas acadêmicas e escolas com bons resultados apontam caminhos para uma educação pública de qualidade
Por Ernesto Faria, para a coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola
Desde 2012, tenho dedicado um bom tempo a estudar as práticas das escolas que conseguem bons resultados, em especial atendendo alunos de baixo nível socioeconômico. De 2012 a 2014, coordenei a primeira série de estudos “Excelência com Equidade”, com foco nos anos iniciais do ensino fundamental. O estudo, parceria da Fundação Lemann e do Itaú BBA, nos mostrou a importância do “como fazer”, assim como de ter metas, acompanhamento e uso de dados.
Já em 2015 e 2016, coordenei a segunda série de estudos, que contou também com o apoio do Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo, e focou nos anos finais do Ensino Fundamental. A garantia de condições para a frequência escolar se mostrou ainda mais importante para essa etapa, assim como o bom aproveitamento do tempo pedagógico e o suporte estrutural da secretaria. Veja abaixo o que faz diferença nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, segundo os estudos:
Anos finais do ensino fundamental
Agora, em 2018, começamos a série de estudos para o Ensino Médio, com realização do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) e parceria da Fundação Lemann, Itaú BBA, Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo e Instituto Unibanco. Nesta semana, estou visitando também escolas com bons resultados no recém-divulgado Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2017. Partindo dessas experiências, quero destacar a seguir três aspectos gerais e três práticas mais específicas que parecem muito importantes para o sucesso na educação pública:
Aspectos Gerais Fundamentais
1. Acompanhamento pedagógico contínuo embasado por dados
Não conheci nenhuma escola com bons resultados com alunos de baixa renda que não seguisse esse caminho. Acompanhar frequentemente o diagnóstico dos alunos e fazer desse diagnóstico uma orientação para as práticas e formações continuadas têm se mostrado uma rota natural de escolas eficazes.
2. Investimento nas relações humanas, sobretudo na relação aluno-professor
A partir dos anos finais do Ensino Fundamental, principalmente, essa prática é vital. Na escola Benedita de Morais Guerra, em Macaparana (PE), fizemos uma roda de conversa com alunos do Ensino Médio e muitos disseram que querem fazer cursos na área da saúde, o que me gerou curiosidade. Rapidamente, percebemos que o encantamento com o professor de biologia tem influência nisso, já que elogios seguidos foram feitos à sua aula e à sua atenção com os alunos. Pareceu ser um professor que ama lecionar e apoiar seus alunos. Nem todos os professores terão esse carisma, mas parece que só perguntar como os alunos estão (querendo verdadeiramente saber sobre) já faz uma baita diferença. E tão importante quanto é ter altas expectativas em relação aos estudantes, acreditando que todos são capazes de atingir bons resultados.
3. Garantir boas condições para a frequência e a permanência
Por fim, as condições para a permanência e frequência escolar são essenciais, como foi destacado na série “Excelência com Equidade” para os anos finais. Recuperar defasagens de aprendizado exige muito empenho e horas de estudo nas disciplinas-base: língua portuguesa e matemática. Isso faz com que alguns dias possam ser cansativos, por isso, inovar nas estratégias didáticas e oferecer atividades prazerosas aos alunos é fundamental. E sempre, sempre mesmo, estar atento ao que as crianças e jovens querem dizer.
Práticas com potencial de sucesso
1. Educação, de fato, integral
Com tantos desafios e defasagens que alguns alunos têm, sobretudo a partir dos anos finais, garantir qualidade com equidade demanda muito tempo pedagógico. Coruripe, rede municipal de Alagoas com resultados de destaque no último Ideb, me chamou a atenção por ter todas as escolas com tempo integral ou, ao menos, jornada estendida. Os professores e a gestão pensam em ações que engajem os alunos e em atividades lúdicas, esportivas e culturais que conversem com o conhecimento e as habilidades que querem desenvolver neles.
2. Nucleação de escolas com a garantia de um transporte escolar adequado
Com escassez de recursos, otimizar o acompanhamento pedagógico e a estrutura das escolas é fundamental. A existência de escolas pequenas com pouca estrutura parece dificultar o acompanhamento da secretaria e serem custosas do ponto de vista de investimento por aluno. Redes de educação do interior do país têm investido na nucleação de escolas. A nucleação consiste em fechar escolas pequenas e garantir escolas maiores com uma infraestrutura mais adequada para as aulas. Isso, obviamente, exige um bom transporte escolar para os alunos. As experiências mostram que a nucleação otimiza o investimento financeiro e de tempo no acompanhamento pedagógico, o que permite a rede ter mais recursos para poder investir na ampliação da jornada escolar.
3. Uso de indicadores como um norte para a gestão
Os resultados da Prova Brasil apontam que muitas escolas aprenderam a trabalhar os descritores da avaliação, garantindo conhecimento e habilidades ligadas a eles. A avaliação dos anos iniciais, por exemplo, já parece muito fácil para algumas escolas, que estão chegando a um indicador de aprendizado padronizado quase máximo. A escola José Wilson Melo Nascimento (Coruripe – AL), por exemplo, obteve um indicador de 9,9, que fez com que chegasse a um Ideb também de 9,9. Muito disso devido ao norte que os descritores deram. Precisamos ter formações e um trabalho das secretarias de educação para que os objetivos de aprendizagem da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) representem o mesmo norte.
Embora ainda sejam poucas, o número de escolas públicas com bons resultados no Brasil tem crescido e podemos nos inspirar e aprender com elas. Nesta semana, a gerência regional da Mata do Norte em Pernambuco (que gere várias escolas de Ensino Médio) e a rede municipal de Coruripe, em Alagoas (destaque no Ideb tanto para os anos iniciais como para os anos finais do Ensino Fundamental), me mostraram que secretarias de educação e escolas podem fazer a diferença, mesmo com muitos desafios. Mesmo no Ensino Médio, mesmo em um município com poucos recursos financeiros. Qualquer aluno pode aprender e merece que se acredite em seu aprendizado. Saio de uma semana de viagens mais confiante e realizado de ter conhecido educadores incríveis. Viva a escola pública de qualidade!
*Ernesto Faria é diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) e doutorando em Organização do Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores na Universidade de Coimbra.
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