O que a Finlândia pode ensinar ao Brasil sobre o uso de avaliações de larga escala

2018-05-08T14:04:09-03:00 03/04/2018|

Apesar do alto uso de avaliações, o resultado do Brasil é fraco. “Avaliações em larga escala deveriam ser usadas para cooperação e não coerção”, diz o professor finlandês Jaakko Kauko

Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), Prova Brasil e Pisa são algumas das avaliações nacionais e internacionais que já fazem parte do calendário escolar no Brasil, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. Questionários da última edição, de 2015, do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – avaliação aplicada a estudantes de 15 anos de mais de 73 países e regiões -, mostram que a maior parte das escolas no Brasil leva em conta os resultados dessas avaliações para direcionar as práticas educacionais.

No Brasil, 73,23% das escolas afirmaram em questionário do Pisa que usam os resultados das avaliações de larga escala para monitorar o próprio desempenho. A porcentagem é maior que a média dos países da OCDE, que é 61,22%, e supera a da Finlândia, cujo modelo educacional é referência mundial. No país, 55,64% das escolas disseram usar essas avaliações para monitorar o desempenho.

Dados tabulados pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) a partir dessas respostas colocam o Brasil como o 28º país com maior percentual de menções ao uso das avaliações, enquanto a Finlândia, por exemplo, é o 46º da lista. O questionário mostra ainda que 67,91% das escolas brasileiras usam as avaliações para orientar o aprendizado dos alunos, contra 54,66% da média dos países da OCDE. É importante acrescentar que, no Brasil, 58,17% da escolas usam os resultados para informar os pais sobre o progresso dos filhos, enquanto a média dos países da OCDE para esse quesito é 54,14%.

Apesar de levar mais em consideração as avaliações de larga escala que a média dos países da OCDE, os resultados do Brasil em avaliações internacionais são fracos. Na última edição do Pisa, de 2015, cuja ênfase foi em Ciências, o Brasil ficou na 63ª posição em desempenho, enquanto a Finlândia ficou em 5º lugar.

Afinal, o que essas provas dizem sobre o ensino e a aprendizagem? De que forma elas podem ser usadas nas escolas para melhorar a qualidade da educação?

Para responder essas e outras questões, o Iede e a Nova Escola conversaram com Jaakko Kauko, professor associado da Faculdade de Educação da Universidade de Tampere, na Finlândia. Kauko leciona Política e Governança da Educação na graduação e pós-graduação e está à frente do projeto Dinâmica Transnacional em Qualidade e Avaliação de Política de Educação Básica no Brasil, na China e na Rússia (2014-2017), no qual busca entender como os ambientes de aprendizagem são moldados por políticas e práticas transnacionais. O estudo busca também analisar os efeitos constitutivos multifacetados de garantia de qualidade e avaliação.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o professor Jaakko Kauko, traduzida do inglês:

Apesar de usar amplamente as avaliações de larga escala, o Brasil ficou em 63º lugar no último Pisa, dentre os 70 países avaliados. Esse uso não deveria ter impacto maior no desempenho dos estudantes?
Jaakko Kauko: A academia é bastante crítica no sentido de usar o Pisa como ferramenta nacional de governança por diversas razões: uma das principais é que ela cria um foco falso nos resultados, quando devemos discutir sobre recursos, profissionalização e o que realmente está ocorrendo nas escolas. Ainda que avaliações de larga escala possam ser usadas como uma boa maneira de analisar a educação, o problema com o Pisa é que ele não mede o quão bem o aluno aprende o currículo nacional.

Em nossa análise do Brasil, da China e da Rússia, descobrimos como as avaliações dos alunos são carregadas com expectativas para outros fins que não apenas para melhorar a aprendizagem. São exemplos: impulsionar a posição do país na escala global ou tentar resolver problemas sociais que precisam de reformas políticas mais amplas. [A Rússia é o segundo país com o maior percentual de menções de uso das avaliações para monitorar o desempenho das escolas, 95,35% das escolas o fazem; já a China é o 15º, com 87,05%]

No Brasil, temos casos de escolas que focam exclusivamente no bom desempenho nas avaliações, inclusive fazendo manobras para que apenas os melhores alunos façam os testes. Isso mascara os resultados…
Esta não é uma prática excepcional. Temos exemplos de diferentes países com o mesmo tipo de comportamento, como por exemplo os Estados Unidos. Devemos abandonar uma ideia de que podemos encontrar “resultados puros” com a ajuda de testes, especialmente se eles estiverem conectados à alocação de recursos entre escolas ou à reputação dos centros de ensino. Se aceitarmos que “mascarar os resultados” não pode ser evitado com mais controle, a alternativa é apoiar o trabalho e a autonomia dos professores e de outros funcionários da escola. Em outras palavras, tentando ajudar os especialistas do “chão da escola” no seu trabalho. Mais fácil dizer do que fazer, mas, por exemplo, a Escócia fez uma reforma nessa direção.

Usar amplamente avaliações de larga escala para nortear práticas educacionais é algo positivo?
Eu não diria que é algo positivo ou negativo. Temos vários exemplos de diferentes usos em todo o mundo. Eu apontaria o principal risco na dinâmica básica de qualquer procedimento de garantia de qualidade: você obtém o que você mede e outros aspectos são negligenciados. Normalmente, na maioria dos casos, não há falta de dados de fontes diferentes. O desafio é o uso cuidadoso dos dados. Se o único uso é a distribuição de recursos, a dinâmica [de negligenciar determinados aspectos] é mais frequente.

Qual é o melhor uso desses dados? Como poderiam ser utilizados para influenciar políticas públicas?
Não acredito que haja falta de dados da educação brasileira ou de outros países. Não posso responder a essa pergunta com autoridade científica, então tenho que recorrer a um palpite acadêmico. E esse palpite seria que os dados deveriam ser usados mais em cooperação do que em coerção. Mais de acordo com uma lógica profissional do que com uma lógica gerencial.

Na Finlândia, as escolas usam menos avaliações de larga escala como referência. Por quê? Quais foram os caminhos encontrados pela educação finlandesa?
Na verdade, a Finlândia não possui testes padronizados nacionais nas escolas, que atendem estudantes dos 7 aos 16 anos e, portanto, não há rankings escolares. Não há nenhuma forma de “inspeção” e professores e diretores têm um alto nível de autonomia. Eu não faria relações causais com os resultados finlandeses do Pisa – há várias teorias e hipóteses sobre isso, todas mais ou menos incompletas. A educação está profundamente enraizada no contexto socio-histórico do país. Nós escrevemos um livro tentando descrever como a educação finlandesa funciona. [O livro Dynamics in Education Politics: Understanding and explaining the Finnish Case pode ser adquirido pela internet]

Em uma entrevista, Andreas Schleicher, que está à frente da Diretoria de Educação e Habilidades da OCDE, responsável pelo Pisa, afirmou que o Brasil deveria proporcionar mais autonomia aos professores em sala de aula. Isso seria uma maneira de melhorar nossos resultados?
Isso funcionou na Finlândia, mas o contexto é realmente diferente. Só vou dizer que não há solução mágica e todas as mudanças devem ser planejadas mais em escala de décadas do que anos. [Mais informações podem ser obtidas no artigo Tomar de empréstimo o sucesso finlandês no PISA? Algumas reflexões críticas, da perspectiva de quem faz este empréstimo, disponível online]

Sabemos das enormes diferenças entre Finlândia e Brasil e que não há como compará-los, mas você poderia dizer algo que foi feito pela Finlândia e que poderia nos inspirar?
Após a Segunda Guerra Mundial, a Finlândia era um país agrícola pobre, recuperando-se de 30 anos de conflitos internos e internacionais diferentes e carregando um pesado fardo de reparações de guerra. Trinta anos depois, foi criado um estado de bem-estar social com educação de qualidade razoável para todas as crianças. Depois de mais 30 anos, tornou-se mundialmente famosa por sua educação. Se aquele país pode fazer isso, por que outros países não conseguiriam?