Haddad acerta ao propor mais investimentos em ciência e tecnologia

2018-10-24T20:20:38-03:00 23/10/2018|

Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação teve orçamento 19% menor em 2018 que o aprovado em 2017

Por Raquel Guimarães

Em seu plano de governo, o candidato à presidência Fernando Haddad apresenta três propostas para o Ensino Superior. Elenco a seguir cada uma delas e a pertinência (ou não) da proposta, bem como se o diagnóstico que a justifica é válido.

Proposta 1: “O governo Haddad vai voltar a investir no ensino superior e ampliar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação.”

De fato, o candidato tem razão quando identifica uma redução no investimento em ensino superior e na ciência e tecnologia no país, em especial a partir da crise econômica e política de 2014 e o estabelecimento da Emenda Constitucional 95/2017, que prevê um regime fiscal com teto para os gastos públicos. Para tanto, me basearei em dados compilados pela campanha “Conhecimento sem Cortes”, mobilização social promovida por associações e organizações que representam docentes, pesquisadores, técnicos e estudantes.

“Os recursos para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), uma agência fundamental para a pós-graduação brasileira, responsável por grande parte da pesquisa científica produzida no país, tiveram em 2018 uma diminuição de 20% em relação ao aprovado para o orçamento de 2017”

Em relação à ciência e tecnologia, os dados revelam que o valor aprovado para 2018 do orçamento geral para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação – MCTIC, que inclui gastos com o antigo Ministério das Comunicações, foi cerca de 19% menor do que o que foi aprovado para 2017. Desse montante, o orçamento flexível, isto é, aquele destinado ao custeio e investimento, foi de aproximadamente R$ 4,7 bilhões em 2018, 25% a menos do que o aprovado para o orçamento de 2017.

Acesse aqui um pdf com as análises das propostas de educação dos candidatos

Nas universidades públicas federais, a situação do financiamento é ainda mais grave. Os recursos para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), uma agência fundamental para a pós-graduação brasileira, responsável por grande parte da pesquisa científica produzida no país, tiveram em 2018 uma diminuição de 20% em relação ao aprovado para o orçamento de 2017.

Nas universidades públicas federais, os recursos para custeio foram mantidos em patamar 20% inferior aos valores de 2014 e os recursos para investimento foram ainda mais reduzidos, representando agora um corte de mais de 80% em relação a 2014.

O subsídio do governo para o ensino superior privado também sofreu um forte revés a partir da crise de 2014. Por exemplo, houve mudanças no critério de elegibilidade ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de tal forma que o público-alvo de estudantes se reduziu consideravelmente. Dados compilados pelo portal G1  revelam que foram celebrados 170.905 novos contratos de financiamento de cursos de graduação em universidades particulares brasileiras em 2017, sendo esse o número mais baixo em seis anos. Cumpre ressaltar o papel relevante do setor privado na provisão do ensino superior no país e, deste modo, a importância do financiamento estudantil.

Tendo sido estabelecido de forma correta o diagnóstico, resta saber se a medida é pertinente no atual contexto brasileiro. Em se tratando da literatura mais recente que trata dos determinantes do crescimento econômico – inclusive, tendo em vista o prêmio Nobel de Economia, concedido ao pesquisador Paul Romer – é central a importância dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação para o crescimento de longo prazo da economia brasileira. Para Romer, todos os esforços para o progresso técnico, como o financiamento para a pesquisa básica nas universidades e educação, investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), são cruciais para os prospectos de desenvolvimento econômico do país no longo prazo.

“Para além do argumento da democratização do ensino superior mediante sua interiorização no país, é importante destacar a importância desse processo para um instrumento de qualificação do espaço/território, permitindo a capacitação e o desenvolvimento de políticas públicas para o desenvolvimento local”

Portanto, considero que o proponente Fernando Haddad parte de um diagnóstico correto sobre a necessidade de investimento em ciência, tecnologia e inovação (C,T&I), bem como no ensino superior.

Proposta 2: “Universidades e Institutos Federais serão fortalecidos, interiorizados e expandidos com qualidade e financiamento permanente.”

Foi notória a expansão das Universidades e dos Institutos Federais desde 2004 ocorrida no Brasil, com o objetivo de ampliar o acesso à rede pública e contribuir para a redução das assimetrias regionais. Por exemplo, entre 2003 e 2013, houve um crescimento de 40% no número de universidades federais no país, de 45 para 63. A justificativa para a interiorização do ensino superior é a promoção da diversidade da comunidade universitária, por meio de inclusão de grupos com diferentes níveis de formação e expectativas acadêmicas, contribuindo para sua democratização.

Para além do argumento da democratização do ensino superior mediante sua interiorização no país, é importante destacar a importância desse processo para um instrumento de qualificação do espaço/território, permitindo a capacitação e o desenvolvimento de políticas públicas para o desenvolvimento local. Desse modo, considera-se pertinente a proposta, tendo em vista as graves e persistentes desigualdades no espaço que ainda assolam o país.

Proposta 3: “Serão recompostos os orçamentos das universidades e institutos federais, e o Programa Nacional de Assistência Estudantil será fortalecido.”

Novamente, Fernando Haddad ressalta em seu programa a importância dos orçamentos para as universidades e institutos federais, tema esse que já foi tratado anteriormente. Contudo, ele agrega a proposta de fortalecimento do Programa Nacional de Assistência Estudantil.

É importante compreender que, considerando o papel-chave do ensino superior para o desenvolvimento econômico no longo prazo (proposta 1), e tendo em vista a relevância da democratização e expansão das universidades no território (proposta 2), é inequívoca a necessidade de uma política de assistência estudantil que dê conta de uma ampliação no público-alvo do ensino superior, em especial para segmentos sociais previamente excluídos, e com suas singularidades étnicas. Dessa maneira, a proposta 3 é condição imprescindível para o sucesso das propostas 1 e 2. Desse modo, medidas que garantam a permanência dos estudantes, como moradia e restaurantes universitários, bolsas de estudo, dentre outras, e que considerem a desigualdade entre os mesmos (como as ações afirmativas), são legítimas e importantes para o sucesso das propostas elencadas.

Raquel Guimarães é professora e pesquisadora na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e é membro da Comissão Assessora de Especialistas para Avaliação de Políticas Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)

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