Coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola: O que é um professor de qualidade?

2018-07-31T11:47:19-03:00 05/07/2018|

Estudos apontam diferentes formas de tentar entender a qualidade de um professor, que vão desde impacto no desempenho de seus alunos à gestão da sala de aula

Por Flavio Comim, para a Nova Escola

Sistemas educacionais podem ser diferentes em termos de acesso, quantidade, funcionalidade e qualidade. De todos esses atributos, o mais difícil de ser definido e avaliado é o referente à qualidade do ensino. Essa dificuldade torna-se ainda maior quando passamos de uma discussão sobre avaliação de sistemas de ensino como um todo para discussões sobre atributos individuais referentes à qualidade de professores e professoras.

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Existem vários desafios para entender e avaliar a qualidade dos professores. O primeiro, como nos coloca o recente Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial de 2018, é que existe uma grande heterogeneidade na qualidade dos professores que não é explicada por características como  formação, experiência ou mesmo tipo de contrato em que trabalham. O que normalmente se considera como parâmetro de avaliação de qualidade dos professores nesse contexto é o impacto que produzem no desempenho de seus alunos em testes padronizados, por exemplo Pisa e Prova Brasil. Mas esse também é um ponto passível de discussão pois esses mesmos protocolos de avaliação baseados no ‘valor adicionado’ do professor são sujeitos a críticas sobre o que de fato estão medindo. Nota-se que, usualmente, esses testes padronizados avaliam apenas uma pequena parte das habilidades cognitivas trabalhadas pelos professores, estando sujeitos a práticas do tipo ‘ensinando para o teste’ e outros vieses.

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O segundo desafio é que esses aspectos intangíveis são extremamente difíceis de serem conceituados e definidos. Para falarmos da qualidade dos professores, precisamos tratar de aspectos como suas atitudes, relações com os estudantes e expectativas em relação a eles, seus métodos, estratégias e ações em classe. Uma literatura recente, incluindo Abu-Tineh, Khasawneh e Khalaileh, 2011, aponta como elemento chave para a definição da qualidade de um professor sua gestão de sala de aula. Mas é importante ressaltar que existem diferentes modelos de gestão de sala-de-aula como o i) intervencionista, o ii) não-intervencionista e o iii) interativo, que dependem de como o professor exerce o seu controle sobre a turma e divide responsabilidades. Assim, há uma impossibilidade lógica de definirmos um professor de qualidade pois sempre, na melhor das hipóteses, estaríamos avaliando não o professor, mas sua interação com os alunos, o que, obviamente, depende muito dos atributos desses próprios alunos.

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Um terceiro desafio, ainda mais complexo, resulta da literatura iniciada por Bandura (1977) – continuada no clássico de Tschannen-Moran, Woolfolk-Hoy e Hoy (1998) – que define a qualidade do professor segundo sua ‘auto-eficácia’, isto é, a visão dos próprios professores do quanto são capazes de se organizarem e executarem ações necessárias para produzirem determinados resultados. Nesse ponto, apenas os professores seriam capazes de definirem ou não suas habilidades pedagógicas. Desse modo, caberia a eles também definirem o que é qualidade do seu trabalho.

Na impossibilidade de satisfazer esses três desafios principais, encontramos que grande parte da literatura que procura definir e avaliar o que é um professor de qualidade, como Sonmark et al (2017), se voltou a um caminho mais simples baseado na distinção entre “conhecimento dos conteúdos” versus “conhecimento dos conteúdos pedagógicos”, relacionando esse último à obtenção da qualidade no ensino. Dito de modo direto e simples, para ser um bom professor não basta ter conhecimento dos conteúdos, mas sim ter um conhecimento pedagógico concreto, de natureza prática, especializada, que contemple um universo de possibilidades pedagógicas dentro da sala de aula do professor com seus estudantes. Por exemplo, quando um aluno diz ao professor que não entendeu o conteúdo recém explicado, o que faz o professor? Repete a explicação ou tenta explicar de modo diferente? O professor precisa ter também desenvolvido uma capacidade de imaginar cenários pedagógicos possíveis, assim como precisa ser capaz de contemplar atitudes estratégicas sobre o que fazer dependendo dos diferentes estados motivacionais de seus estudantes. Essa literatura procura contornar os problemas levantados no segundo tipo de desafio com uma versão mais simples, mais operacional da qualidade do professor, baseada na observação de suas práticas em sala de aula.

Mesmo assim, uma limitação adicional importante de todo esse debate acima é que ele é centrado na apreciação do professor enquanto um promotor de habilidades cognitivas dos alunos. Quando abrimos a porta do desenvolvimento das habilidades psicoemocionais dos estudantes (como nos convida James Heckman em seus trabalhos) complicamos ainda mais o que já parecia complicado o suficiente, incluindo critérios como preocupação com os estudantes, tratamento com justiça e respeito, consideração por circunstâncias pessoais dos estudantes, etc. Parece razoável supor que um professor de qualidade não deva ser indiferente à dimensão humana de seus alunos.

Um artigo de Bozkus e Tastan (2016) nos mostra, no entanto, que devemos esperar visões diferentes entre professores já estabelecidos e os que estão começando. Enquanto os primeiros acreditam que um professor de qualidade é aquele que faz uma boa gestão de sala de aula, os últimos acham que é o conhecimento teórico que faz a diferença.  Pouco se fala nos aspectos psicoemocionais.

Para concluir, podemos pensar que talvez não exista um único critério que defina um professor de qualidade ao longo de sua vida profissional. Talvez em alguns contextos, um professor de qualidade é aquele que foca no desenvolvimento cognitivo dos seus estudantes, mas em outros é justamente aquele que decide trabalhar mais o desenvolvimento psicoemocional deles. Talvez devamos pensar não em uma definição de qualidade dos professores mas em uma trajetória de qualidade, que é diferente para cada um, e deve ser avaliada em coautoria com os professores por meio de suas práticas reflexivas.

* Flavio Comim é PhD em Economia pela Universidade de Cambridge e realizou pós-doutorado na mesma universidade e na Universidade de Harvard. É professor da Universitat Ramon Llull, na España, e professor afiliado da Universidade de Cambridge

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