Como aumentar o impacto dos professores sobre o aprendizado dos alunos?

2019-11-08T12:35:44-03:00 08/11/2019|

Estudos mostram que é fundamental criar oportunidades para trocas de experiências efetivas entre os docentes. Juntos eles podem aprimorar suas habilidades

Por Priscilla Albuquerque Tavares, para a coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola

Diversas áreas do conhecimento dedicam-se a investigar os fatores associados ao aprendizado dos estudantes, na tentativa de identificar políticas que sejam capazes de melhorar a qualidade da Educação, sobretudo em países em desenvolvimento. Há um consenso na literatura especializada: o professor é o insumo educacional mais importante. No entanto, inúmeros estudos mostram que existe uma grande heterogeneidade entre os professores da Educação Básica no que tange ao seu comportamento e às práticas de ensino empregadas; à capacidade de conduzir de maneira eficiente os processos de gestão da sala de aula, de forma a maximizar o tempo efetivo de instrução; à habilidade de promover equidade, utilizando estratégias de ensino diferenciadas para estudantes em estágios de aprendizagem distintos etc. Em resumo, professores diferem segundo suas habilidades e, portanto, segundo sua efetividade (medida pelo impacto que são capazes de promover sobre o aprendizado dos estudantes).

Idealmente, os sistemas escolares deveriam ser capazes de identificar e selecionar os professores mais efetivos e ter mecanismos adequados de contratação e retenção desses profissionais. Entretanto, isso não é simples. A formação acadêmica e o conhecimento do professor são atributos importantes, mas não suficientes para definir o que é ser um bom professor. Alguns estudos mostram que as certificações do professor ou mesmo o seu desempenho em exames de seleção e progressão apresentam correlação positiva, mas pequena, com a sua efetividade em sala de aula (Gordon, Kane e Staiger, 2006; Angrist e Guryan, 2008; Kane, Rockoff e Staiger, 2008). Por essa razão, não é fácil reconhecer um bom professor apenas observando seu currículo ou colocação em um concurso de seleção, por exemplo, já que essas não são métricas informativas do seu engajamento, gestão de sala de aula e práticas pedagógicas. Isso torna a tarefa de selecionar bons professores ainda mais desafiadora. 

Uma outra questão importante refere-se às políticas e programas capazes de elevar a efetividade de professores em serviço. Isso é fundamental no caso das redes públicas de ensino estaduais e municipais no Brasil, que oferecem estabilidade na carreira aos profissionais concursados. Felizmente, os estudos têm sido exitosos em identificar mecanismos de aprimoramento profissional de professores já atuantes. Jackson e Bruegmann (2009) argumentam que professores podem aprender muito uns com os outros: em particular, novos professores beneficiam-se significativamente da convivência com bons professores mais experientes. Esses efeitos são persistentes ao longo do tempo e explicam boa parte da efetividade dos docentes.

O aprendizado aos pares pode ser, inclusive, reforçado com políticas que intencionalmente buscam elevar a qualidade docente. Papay et. al. (2015) avaliam um programa implantado em escolas de educação básica no Tennessee, estado no sudeste dos Estados Unidos, para encorajar o aprendizado entre professores com diferentes níveis de habilidades. O programa funciona da seguinte maneira: inicialmente, os docentes respondem a um questionário sobre gestão de sala de aula e práticas pedagógicas. Então, aqueles que apresentam mais dificuldades formam pares com outros educadores que demonstram maior domínio dessas capacidades, para trabalharem juntos durante o ano letivo, trocando experiências. O resultado identificado ao final do estudo foi: os alunos dos professores que receberam ajuda dos colegas apresentaram aumento de proficiência em linguagem e matemática.

Kraft e Papay (2014) mostram ainda que o ambiente de trabalho é fundamental para promover o aprendizado entre professores de maneira informal, mas bastante significativa. Os autores destacam a necessidade de se criar uma cultura de altas expectativas na execução do trabalho e oportunidades para que haja trocas de experiência efetivas entre os profissionais. O reconhecimento de professores excelentes e ações como avaliação e feedbacks entre os pares são mecanismos que promovem o aprendizado mútuo entre os docentes.

Kraft e Blazear (2017) avaliam um programa de coaching desenhado para aprimorar as práticas pedagógicas gerais e a gestão de sala de aula de professores de Educação Básica nos Estados Unidos. O programa foca em orientar os professores quanto ao emprego de técnicas instrucionais e de uso do tempo, a partir de um curso intensivo e do trabalho de um coach, durante todo o ano letivo. A assessoria individual do coach consiste em discutir e estabelecer com o educador um plano de metas, com foco em implantar algumas das práticas aprendidas no curso – aquelas em que o professor sente mais dificuldade, por exemplo. O coach realiza observação de sala de aula e fornece feedback formativo ao professor, levando em conta as suas próprias impressões, bem como avaliações realizadas pelo diretor e pelos alunos. A cada período, as dificuldades do professor são identificadas e ele recebe auxílio do assessor para aprimorar suas práticas. Os autores mostram que o programa é bem-sucedido em aumentar o emprego dessas práticas pedagógicas específicas.

No Brasil, um programa bastante semelhante foi implantado e avaliado de forma experimental em escolas de ensino médio no Ceará (Bruns, Costa e Cunha, 2018). As técnicas pedagógicas e de gestão de sala de aula ensinadas nos programas americano e brasileiro são praticamente as mesmas. No caso do programa cearense, cada coordenador pedagógico conduziu a assessoria para um grupo de professores de uma mesma escola. Cada coordenador pedagógico, por sua vez, recebeu suporte individual via Skype de um especialista em Educação da instituição que implementou o programa. A avaliação de impacto desse programa experimental mostrou que os professores que receberam assessoria aumentaram o tempo de instrução em sala de aula e o engajamento dos alunos, na medida em que passaram a empregar as técnicas ensinadas. Além disso, também foram observados ganhos nas notas dos estudantes nos exames padronizados de Língua Portuguesa e Matemática.

Esses resultados sugerem que é possível aprimorar as capacidades dos docentes que já atuam na educação básica e, portanto, elevar o impacto que cada professor gera nos estudantes, em termos de aprendizado.

Priscilla Albuquerque Tavares é doutora em Economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mestre e bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo (USP). É professora da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, pesquisadora na área de Economia da Educação e autora de diversos artigos que avaliam impactos de políticas educacionais no Brasil.

Para saber mais
Angrist, J. and Guryan, J. (2008) ‘Does Teacher Testing Raise Teacher Quality? Evidence from State Certification Requirements’ Economics of Education Review vol. 27(5) pp. 483–503.
Bruns, B., Costa, L. and Cunha, N. (2018) ‘Trough the looking glass: Can classroom observation and coaching improve teacher performance in Brazil?’. Economics of Education Review, vol. 64, pp. 214-250.
Gordon, R., Kane,T. and Staiger, D. (2006) ‘Identifying Effective Teachers Using Performance on the Job.’ The Hamilton Project White Paper, 2006-01, Washington, DC.
Jackson, C.K. and Bruegmann, E. (2009) ‘Teaching Students and Teaching Each Other: The Importance of Peer Learning for Teachers’ American Economic Journal: Applied Economics vol 1:4, 85–108.
Kane, T., Rockoff, J. and Staiger, D. (2008) ‘What does certification tell us about teacher effectiveness? Evidence from New York City.’ Economics of Education Review, vol.27 (6), pp. 615–631.
Kraft, M. and Papay, J. (2014) ‘Can Professional Environments in Schools Promote Teacher Development? Explaining Heterogeneity in Returns to Teaching Experience.’ Educational Effectiveness and Policy Analysis. vol.36(4) pp.476-500.
Kraft, M.A. & Blazar, D. (2017). Individualized coaching to improve teacher practice across grades and subjects: New experimental evidence. Educational Policy, 31(7), 1033-1068.
Papay, J., Taylor, E., Tyler, J. and Laski, M. (2015) ‘Learning Job Skills from Colleagues at Work: Evidence from a Field Experiment Using Teacher Performance Data’ mimeo.

Este texto foi originalmente publicado na coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola

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