Como aprender Matemática através da resolução de problemas

2019-03-01T14:34:54-03:00 14/02/2019|

A resolução de problemas permite que estudantes desenvolvam o pensamento matemático de maneira ativa. Entenda passo a passo como isso pode ser feito

Por Jonei Barbosa, para a coluna Pesquisa Aplicada, parceria de Iede e Nova Escola

Um problema é uma tarefa para a qual não se possui um esquema, uma estratégia ou um algoritmo previamente definido. Demanda-se um certo esforço intelectual no delineamento da estratégia de solução, a qual poderá combinar esquemas anteriores e/ou produzir novos. Chamamos de problemas matemáticos aqueles cujas soluções demandam ideias, conceitos e/ou algoritmos pertencentes à disciplina matemática.

Uma tarefa em si não é um problema matemático, mas depende de quem se depara com ela. Imaginemos, por exemplo, a seguinte tarefa: escreva frações equivalentes a 3/5. Este pode ser um exercício para um aluno do 9o ano do Ensino Fundamental que já foi exposto ao conteúdo, mas seria um problema para um aluno, por exemplo, do 2o. ano do Ensino Fundamental.

Como é bem sabido, a Matemática (científica) se desenvolve e produz conhecimentos a partir de problemas da vida diária, das profissões, das ciências, bem como aqueles internos à própria disciplina. Por analogia, a ideia de resolução de problemas foi pensada como uma forma de organizar pedagogicamente a aprendizagem de Matemática na escola.

Uma das referências clássicas à resolução de problemas é o livro A Arte de Resolver Problemas, publicado originalmente em 1945 pelo matemático George Polya (POLYA, 1978). A obra inspirou movimentos de reforma curricular de Matemática em diversos países nos anos 1970 e 1980 (VALE; PIMENTEL; BARBOSA, 2015; FELMER; PEHKONEN; KILPATRICK, 2016).

Há muitos argumentos para organizar as aulas de Matemática em torno da resolução de problemas. Destaco, aqui, algumas das razões citadas pelas pesquisadoras brasileiras Lourdes de la Rosa Onuchic e Norma Suely G. Allevato (2011): mobilizar a atenção e o pensamento matemático dos estudantes; possibilitar o uso de diferentes estratégias; desenvolver a crença de que os estudantes são capazes de fazer Matemática e propiciar a compreensão de conceitos matemáticos.

A resolução de problemas pode figurar de diferentes maneiras no currículo. Para alcançar suas potencialidades, é importante que a resolução de problemas não seja isolada das demais atividades. Assim, corroboro o argumento posto por Onuchic e Allevato (2011) de ensinar e aprender Matemática através da resolução de problemas.

Para ilustrar, vou relatar brevemente uma aula da Profa. Noêmia em uma turma do 9o. ano do Ensino Fundamental, que tive a oportunidade de acompanhar em uma escola estadual na cidade de Salvador. De início, ela distribuiu uma folha de tarefa, a qual foi adaptada de uma disponível no portal do Observatório da Educação Matemática da Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana (www.educacaomatematica.ufba.br).

Observatório da Educação Matemática da Universidade Federal da Bahia e Universidade Estadual de Feira de Santana

Os estudantes foram solicitados a lerem a tarefa. A seguir, a professora coordenou uma pequena discussão com as questões desse tipo: o que vocês leram? O que diz a tarefa? Qual é a questão? Que dados constam na tarefa? etc. Na sequência à tempestade de ideias, os estudantes foram organizados em grupos de três ou quatro.

Enquanto os estudantes trabalhavam na resolução do problema, a professora aproximava-se dos grupos para fazer questionamentos do tipo “como vocês estão resolvendo?”, “por que desse jeito?”, “o que você acha se…?”, “e vocês observaram isso aqui?”, etc. Tratam-se de questões para incentivar os estudantes na solução do problema, bem como provocá-los a aprofundar a reflexão sobre suas estratégias. Esta fase é a mais demorada e, dependendo da complexidade do problema, pode durar uma, duas ou mais horas.

Depois que os estudantes produziram suas soluções, os grupos de alunos foram solicitados a mostrá-las na lousa. Com isso, a professora Noêmia coordenou a discussão sobre as diferentes formas de abordar o problema. É a partir desse momento que a professora pôde formalizar a fórmula para o cálculo da soma das medidas dos ângulos internos de um polígono convexo.

A aula da professora Noêmia ilustra como a aprendizagem de Matemática dá-se através da resolução de um problema. Nesse caso, como se vê, a tarefa foi propositadamente escolhida para trabalhar com os estudantes um tópico específico previsto no programa escolar. Porém, também pode ser um problema mais aberto que não fosse voltado para os conteúdos previstos no programa escolar.

A sequência da aula da professora Noêmia foi similar àquela recomendada por Onuchic et al. (2014): proposição do problema; leitura da tarefa; resolução do problema; observar e incentivar; registro das soluções na lousa; plenária; busca do consenso; formalização do conteúdo. Após isso, o professor pode propor exercícios para consolidar o novo conhecimento e/ou problemas mais complexos.

Como nos lembra Skovsmose (2000), um problema matemático pode ser formulado em termos da Matemática pura, como o exemplo acima. Mas, também pode ser com referência na realidade, que são aqueles externos à disciplina Matemática. Por exemplo, se a professora propusesse aos estudantes decidir sobre o melhor pacote de acesso à Internet disponível na cidade em que moram. E, por fim, há problemas que são fictícios, ou seja, não existem no dia a dia, mas fazem menção a fatos da realidade. É o que Skovsmose (2000) chamaria de semirrealidade, como esse problema: a cidade A possui 100.000 habitantes, a cidade B, 50.000 habitantes e a cidade C, 30.000; supondo que o governo federal enviará 20 médicos para as três cidades, quantos deles serão alocados em cada cidade? Trata-se de um problema criado para fins educacionais, apesar de encontrarmos análogos no dia a dia.

Nas conversas com os colegas professores, uma questão levantada com frequência é onde encontrar problemas para organizar as atividades de sala de aula. Além de diversas fontes disponíveis na Internet, sempre menciono os livros didáticos, desde que convertamos exercícios em problemas. Tomemos um exercício daquele tópico para o qual os estudantes ainda não foram expostos e transformemos no problema a ser apresentado aos estudantes para exploração e resolução. Desta forma, os estudantes possuem a chance de desenvolverem o pensamento matemático de maneira ativa, sobre o qual o professor poderá formalizar um novo conhecimento.

*Jonei Cerqueira Barbosa é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde desenvolve projetos de pesquisa e orienta iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado na área de Educação Matemática. É pesquisador produtividade do CNPq.

Para saber mais:

FELMER, P.; PEHKONEN, E.; KILPATRICK, J. (Eds.) Posing and solving mathematical problems: advances and perspectives. New York: Springer, 2016.

OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA. Materiais recentes. Disponível em: <http://www.educacaomatematica.ufba.br/materiais-ultimos.php>. Acesso em: 20 de janeiro de 2019.

ONUCHIC, L. R.; ALLEVATO, N. S. G. Pesquisa em resolução de problemas: caminhos, avanços e novas perspectivas. Bolema, Rio Claro, v. 25, n. 41, p. 73-98, 2011. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/handle/11449/72994>.

ONUCHIC, L. R.; ALLEVATO, N. S. G.; NOGUTI, F. C. H.; JUSTULIN, A. M. (Orgs.). Resolução de problemas: teoria e prática. Jundiaí: Paco Editorial, 2014.

POLYA, G.  A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro: Interciência, 1978.

SKOVSMOSE, O. Cenários para investigação. Bolema – Boletim de Educação Matemática, Rio Claro, v. 13, n. 14, p. 66-91, 2000. Disponível em: <http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/bolema/article/view/10635/7022>.

VALE, I.; PIMENTEL, T.; BARBOSA, A. Ensinar matemática com resolução de problemas. Quadrante, Lisboa, v. XXIV, n. 2, p. 39-60, 2015.

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