Pisa 2018: Brasil é um dos países com a maior diferença de desempenho educacional entre alunos ricos e pobres

2020-05-11T13:58:02-03:00 19/12/2019|

Nas três áreas avaliadas – Leitura, Matemática e Ciências – estudantes de nível socioeconômico alto estão quase três anos de aprendizagem à frente dos de baixo

Os estudantes brasileiros de 15-16 anos, de alto nível socioeconômico, estão quase 3 anos de aprendizagem em Leitura à frente daqueles de nível socioeconômico baixo, da mesma idade. Os dados são do Programme for International Student Assessment (Pisa) 2018, da OCDE, e foram tabulados pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede). Eles estão disponíveis na plataforma Mapa da Aprendizagem, uma parceria de Iede, Fundação Lemann e Itaú BBA. O site traz dados de aprendizagem de todos os países participantes do Pisa, divididos por nível socioeconômico e sexo, além de informações sobre o perfil desses jovens, como se esperam concluir o ensino superior, se já repetiram de ano e se eles se sentem sozinhos na escola.

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Foram considerados como estudantes de nível socioeconômico alto aqueles que estão entre os 33% de alunos com maior nível socioeconômico entre os que fizeram o Pisa 2018 em casa país. O índice de nível socioeconômico reflete o status econômico, social e cultural do estudante. O indicador é construído considerando as posses domésticas do aluno – se a família possui carro e se ele tem um quarto quieto para estudar, por exemplo – e escolaridade e ocupação dos pais.

Os estudantes brasileiros de nível socioeconômico alto obtiveram média em Leitura de 492,2, enquanto aqueles que estão entre os 33% de nível socioeconômico mais baixo, 389,6. A diferença entre os grupos foi, portanto, de 102,6 pontos – a terceira maior dentre os 79 países que participaram da avaliação em 2018. Só apresentaram diferenças mais altas Israel (121 pontos) e Filipinas (107 pontos). Especialistas consideram que cada 35 pontos equivalem a 1 ano de aprendizagem.

A média geral do Brasil em Leitura, no Pisa 2018, foi 412,9, um pequeno avanço em relação à edição anterior, de 2015, em que o país obteve 407,4. Apenas para comparação, a média dos estudantes brasileiros de nível socioeconômico alto está acima da média geral da Suíça, do Chile e da Itália e no mesmo patamar de França e Portugal. Já a nota dos estudantes mais pobres fica entre as médias da República da Macedônia e do Cazaquistão.

Essa diferença não é observada apenas em Leitura. Em Matemática, área em que o país encontra ainda mais dificuldade para avançar, a diferença entre os dois grupos também ultrapassa 100 pontos. Os estudantes de renda mais alta atingiram 461,8 pontos, enquanto os de baixa, 360,8. A média do país foi 383,6 – em 2015, ficou em 377,1. Os países que apresentaram diferenças maiores que o Brasil são Israel, Bélgica, Hungria e Eslováquia. No entanto, é preciso ressaltar que, apesar dessas grandes discrepâncias de desempenho entre os estudantes, nenhuma dessas quatro nações está no mesmo nível de aprendizagem do Brasil. Nesses países, mesmo os alunos mais pobres possuem desempenho superior à média brasileira.

Em ciências, a situação se repete: alunos brasileiros de nível socioeconômico alto obtiveram 483,3 pontos, enquanto os de baixo, 380,7 (diferença de 102,6, menor apenas que Israel e Bélgica).

Estudos sobre o tema mostram grande correlação entre os resultados dos estudantes em testes padronizados e a situação socioeconômica de suas famílias. Isso em razão de diversos fatores, tais como mais estímulo que recebem em casa, exposição a vocabulário mais vasto, acesso a livros e bens culturais. Mas o sistema educacional pode – e deve – agir para mudar esse cenário.

Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede e doutorando em Organização do Ensino e da Aprendizagem pela Universidade de Coimbra, explica que o sistema educacional precisa garantir melhores condições para quem mais precisa.

“Países como Irlanda e Chile têm políticas para dar mais recursos para escolas que atendem alunos de baixo nível socioeconômico e/ou que estão em áreas de vulnerabilidade. Já no Brasil  não temos políticas nacionais que consigam garantir um sistema mais equitativo. Os dados de infraestrutura e de formação dos professores do Censo Escolar sinalizam de forma clara que as escolas que mais precisam têm piores condições e professores com pior formação”, afirma Faria.

Comparação por região do Brasil

Quando a comparação é feita por região do Brasil, a Sul se destaca nas três áreas avaliadas. Em Leitura, a região Sul atingiu 432 pontos, desempenho superior ao do Uruguai (427), mas ainda atrás do Chile (452) e distante da média da OCDE, de 487. A região Centro Oeste obteve 425 pontos; a Sudeste, 423,7; Norte, 423,7; e Nordeste, 389. As pontuações das regiões Norte e Nordeste ficam atrás de Peru, Argentina e Colômbia e no mesmo patamar da Tailândia.

A análise por nível socioeconômico também traz informações relevantes. Em Leitura e Matemática, a região Nordeste é dentre as cinco a que apresenta a maior diferença entre os grupos de alto e baixo nível socioeconômico. Em Leitura, estudantes de alto nível socioeconômico conseguiram 484,6 e os baixo, 372,5.

“A notícia positiva é que há um trabalho pedagógico bem feito para alguns alunos. Não é que não existem escolas boas no país ou professores excelentes. O grave e inadmissível problema é que o bom ensino ainda está atrelado a onde você nasce, que região da cidade mora, escolaridade dos pais, ‘vestibulinhos’ que selecionam alguns e excluem a maioria ou mensalidades muito caras no sistema privado”, explica Faria.

Faria reflete sobre qual cenário seria menos pior, de baixa aprendizagem tanto para alunos de alto como baixo nível socioeconômico, como no Norte, ou existir um grupo de alunos que consegue se destacar, como no Nordeste. “Os dois cenários são ruins, mas no Nordeste há mais perspectiva de avanço. Uma política intencional para equidade pode fazer com que o sistema melhore como um todo. Haver um grupo de alunos que vai bem, mesmo que restrito, gera oportunidades para se buscar trocas entre gestores, entre alunos (peer-effect), e um norte pedagógico. Existir escolas que vão bem é uma boa notícia, mas a desigualdade tem que incomodar e gerar ação. Uma educação só é de qualidade se gera oportunidades para todos.”

Perfil dos alunos

Na plataforma Mapa da Aprendizagem, é possível comparar as respostas dos estudantes a 6 perguntas do questionário do aluno do Pisa 2018. Uma delas é se já repetiram de ano: enquanto um quarto dos estudantes de nível socioeconômico baixo repetiu de ano pelo menos uma vez no ensino fundamental, entre os alunos de nível socioeconômico alto, o índice é de 8,8%.

O Brasil está entre os dez países com o maior percentual de estudantes que já repetiram de ano no ensino fundamental pelo menos uma vez, ressaltando para a necessidade de se discutir no país alternativas à reprovação (prática recorrente nas escolas públicas e que as evidências mostram ser ineficaz).

Outro item que chama atenção é o percentual de estudantes que diz se sentir sozinho na escola: tanto entre alunos de alto como de baixo nível socioeconômico, pelos menos um quinto diz se sentir sozinho.

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