O que os dados do Ideb 2019 dizem sobre a aprendizagem dos alunos?

2020-11-03T15:29:03-03:00 03/11/2020|

Índice avança no Ensino Fundamental e Médio, mas aprendizado segue distante do desejado

Por Ernesto Faria, para a Nova Escola 

Os resultados das avaliações externas quando são divulgados reverberam em diversos tipos de conteúdos. São realizados comparativos com os anos anteriores, ou entre estados e municípios. Na mídia saem gráficos que consolidam os resultados e os especialistas comentam os avanços, retrocessos ou estagnação. Mas, o que está por trás desses números? Como utilizar esses resultados para de fato entender o cenário da Educação e pensar em intervenções para avançar na aprendizagem?

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) divulgou recentemente os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2019, que mostram que todas as etapas avançaram, ainda que em ritmo diferente. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o Ideb passou de 5,8 para 5,9. Nos anos finais, de 4,7 para 4,9. O Ensino Médio registrou o maior salto: após três edições de estagnação e um aumento de apenas 0,1 entre 2015 e 2017, índice subiu de 3,8 para 4,2. Ainda assim, ficou longe da meta de 5. O único que atingiu a meta, no caso 5,7, foi o 5º ano do Ensino Fundamental. Mas o que esses números – 5,9; 4,9 e 4,2 – significam na prática, na capacidade do estudante de ler e analisar criticamente as informações e de solucionar problemas? De ter condições de exercer plenamente sua cidadania?

Avanços no Ensino Médio
Primeiro, vamos analisar o que está por trás desses avanços, a começar pelo Ensino Médio, que foi a etapa que mais surpreendeu em 2019. Uma hipótese provável é que a divulgação censitária dos dados do Ensino Médio a partir de 2017 contribuiu para esse aumento do indicador. Antes, as escolas não sabiam se seriam selecionadas para participar da avaliação. Como era amostral (e o resultado individual não era divulgado), não havia uma preocupação grande em se trabalhar os descritores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em sala de aula, por exemplo. A universalização da avaliação para estudantes do 3º ano da rede pública, muito provavelmente, gerou uma mobilização diferente, uma preocupação maior dos professores e diretores com os resultados, que seriam expostos à comunidade. O avanço no Ideb, portanto, não necessariamente representa um aumento ocasionado por políticas públicas locais. Pode ser um reflexo do comprometimento maior dos educadores e estudantes com a avaliação e cuidado na realização da prova.

Como trata-se de um efeito limitado, caso essa hipótese de que ser censitário contribuiu para o avanço se confirme, o próximo Ideb do Ensino Médio não deve ter crescimento tão expressivo (a não ser claro que aconteçam políticas públicas estruturantes).

Mudanças trazem crescimento no Fundamental 1
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apesar da recente diminuição do ritmo, houve um aumento de 2,1 pontos na série história – era 3,8 na primeira edição, em 2005, e ficou em 5,9 na última. Esse avanço pode ser atribuído, principalmente, ao aprimoramento da gestão, tanto no nível da Secretaria como das escolas. Destaco aqui cinco aspectos: mudanças na cultura organizacional, com o envolvimento de todos os atores escolares no processo de ensino-aprendizagem; gestão eficaz de pessoas; uso de avaliações diagnósticas; foco em formação continuada e incentivo ao compartilhamento de boas práticas; e gestão para a aprendizagem.

Estagnação no Fundamental 2
No entanto, o foco deste texto será os Anos Finais do Ensino Fundamental, no qual os desafios se intensificam e mesmo municípios que se destacam nos Anos Iniciais não conseguem se manter no mesmo patamar. No total, somente seis redes públicas conseguiram atingir um Ideb maior ou igual a 7 (quatro delas no Ceará e duas em Alagoas) em 2019, sendo a maioria de pequeno porte.

A média no Ideb serve para nos dar referência, mas o mais importante é olharmos para o percentual de estudantes com aprendizado adequado. Afinal, é isso o que as redes de ensino e escolas devem buscar: que os estudantes saibam o adequado à série em que estão. Nesse sentido, o cenário continua bastante preocupante. Segundo tabulação do  Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), a partir dos dados do Inep, 18,4% dos estudantes da rede pública (soma de escolas federais, municipais e estaduais) tinham aprendizado adequado em Matemática no final do 9º ano; em Língua Portuguesa, o percentual foi de 35,9%. Em ambas as disciplinas, o patamar é muito baixo. E é essa a questão que precisa ser foco na discussão do Ideb: se os alunos estão aprendendo ou não.

Na tabulação feita pelo Iede foram considerados no nível adequado os estudantes que atingiram pelo menos 275 pontos em Língua Portuguesa e 300 em Matemática. A escala de proficiência em Matemática do Saeb para o 9º ano do Ensino Fundamental mostra que, nesse patamar, os alunos são capazes de localizar dois ou mais pontos em um sistema de coordenadas; associar uma fração com denominador dez à sua representação decimal; e determinar o volume através da contagem de blocos; entre outras habilidades. Mas eles, provavelmente, não conseguem resolver problemas que requerem a comparação de dois gráficos de colunas, reconhecer frações equivalentes ou determinar um valor monetário obtido por meio de um desconto ou um acréscimo percentual.

É importante esclarecer que 300 pontos não é um valor exigente para alunos do 9º ano. Se formos um pouco mais criteriosos e esperamos 325 pontos para dizer que o aluno tem aprendizagem adequada, o percentual cai de 18,4% para 7,1%. A escala Saeb, disponível no site do Inep, mostra que alunos com desempenho igual ou maior que 325 pontos e menor que 350 conseguem, por exemplo, reconhecer a relação entre as medidas de raio e diâmetro de uma circunferência, com o apoio de figura; e converter unidades de medida de massa, de quilograma para grama, na resolução de situação problema. Porém, é bastante provável que não dominem habilidades mais avançadas como determinar o valor numérico de uma expressão algébrica de 2º grau, com coeficientes naturais, envolvendo números inteiros.

O que isso quer dizer? Que há um teto de aprendizagem que poucos alunos conseguem superar nos anos finais do Ensino Fundamental, mesmo que eles tenham ingressado na etapa com uma boa aprendizagem.

Há muitas razões que tornam os Anos Finais mais complexos: os conteúdos curriculares são mais difíceis e há um percentual menor de professores com formação adequada (nos Anos Finais são 53,2% contra 66,1% dos Anos Iniciais, segundo o Inep). Em razão das defasagens acumuladas nos anos anteriores e das repetências, as turmas, em geral, são mais heterogêneas tanto no nível de conhecimento dos estudantes como na idade. Além disso, há questões relacionadas à adaptação do próprio estudante, que deixa de ter um único professor para ter vários e muitas vezes precisa mudar de escola.

Todos esses pontos são importantes e devem ser estudados a fundo. Precisamos entender por que é tão difícil garantir a aprendizagem nos anos finais e o que fazer para esse cenário mudar. Afinal, esses desafios maiores não podem servir de justificativa para o desempenho ruim da etapa.

Ernesto Faria é diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)

Este texto foi originalmente publicado no site da Nova Escola