Exame: Adiar ou manter? Enem tem maior desafio da história com coronavírus

2020-05-11T13:52:45-03:00 11/05/2020|

Inscrições para Enem 2020 começam nesta segunda-feira, 11. Mas pesquisadores, faculdades e governo não sabem dizer se exame poderá ocorrer na data prevista

Por Carolina Riveira, da Exame 

Estudantes brasileiros começam a partir desta segunda-feira, 11, a se inscrever no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), prova que dá acesso a algumas das principais universidades públicas e privadas do Brasil. No ano passado, 5,1 milhões de alunos se inscreveram.

Criado em 1998 ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) como política para avaliar os conhecimentos de alunos do Ensino Médio, o Enem foi transformado na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no maior vestibular do país. Mas a pandemia do novo coronavírus jogou uma série de incertezas sobre o ecossistema de admissão das universidades e o futuro de milhões de jovens.

O Ministério da Educação (MEC) decidiu por manter o calendário do Enem, com provas marcadas para 1º e 8 de novembro. Mas pouca coisa é certa sobre a prova no momento, o que vem fazendo com que uma série de pesquisadores, professores, organizações e alunos passem a defender o adiamento do exame.

Com a evolução do coronavírus, não se sabe se até novembro a pandemia terá se dissipado a ponto de a prova ocorrer normalmente. O Brasil chegou a mais de 11.000 mortes e mais de 160.000 casos de covid-19.

Neste cenário, o governo ampliou o plano de provas digitais, cujos testes já estavam previstos para este ano — algo que nunca aconteceu em larga escala no Enem antes. Serão 100.000 vagas voluntárias em algumas cidades para fazer o Enem no formato digital, que ocorrerá em datas diferentes, nos dias 22 e 29 de novembro. O aluno deverá escolher se quer fazer o Enem digital na hora da inscrição.

Outro dos pontos mais sensíveis é o cancelamento de aulas presenciais desde o fim de março em todo o Brasil. Escolas das redes públicas e privadas têm precisado recorrer a modalidades de educação à distância (EaD).

Uma peça publicitária do MEC divulgada na semana passada recebeu críticas nas redes sociais por não levar em consideração as dificuldades de estudo impostas pela pandemia. Com o mote “O Brasil não pode parar”, o vídeo mostra quatro atores representando estudantes secundaristas incentivando o estudo à distância e pela internet. “Estude, de qualquer lugar, de diferentes formas. Por livros, internet, com a ajuda à distância dos professores”, diz uma das alunas.

Países em todo o mundo vêm atrasando exames nacionais similares ao Enem. Levantamento do Instituto Unibanco mapeou 19 países com provas parecidas com a brasileira e mostrou que só cinco decidiram por manter o cronograma estabelecido antes da pandemia. Países como China, Estados Unidos, Espanha e parte da Colômbia já adiaram suas provas.

Uma decisão da Justiça Federal de São Paulo chegou a impor adiamento do Enem, mas o MEC recorreu e a decisão foi revertida. Entidades como o Conselho Nacional dos Secretários de Educação e o Conselho Nacional de Educação também se manifestaram a favor da remarcação da prova. A Frente Parlamentar Mista de Educação no Congresso, que inclui nomes como a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), tenta coletar assinaturas para um decreto legislativo que exija o adiamento do Enem.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, defende manter o exame. “Não desistam, estudem”, escreveu aos estudantes no Twitter no último dia 5 de maio.

O desafio da tecnologia

O Ensino Médio brasileiro atende 7,5 milhões de alunos, cerca de 86% em escolas públicas (6,4 milhões, ante cerca de 1,1 milhão na rede privada), segundo dados de 2019, os últimos disponíveis. Nem todos os alunos que fazem o Enem saem diretamente do Ensino Médio — o próprio ministro Abraham Weintraub reforçou em seu Twitter que só cerca de um terço dos inscritos no Enem no ano passado estavam na escola.

“Está difícil para todo mundo. É uma competição. Vamos selecionar as pessoas mais preparadas para serem os médicos, os administradores, os contadores”, disse o ministro em uma transmissão em suas redes sociais.

Mas, sobretudo para a parcela dos alunos ainda na escola, a pandemia acentuou a discussão sobre as diferenças de preparação entre estudantes de escolas públicas e privadas. Dados da Pnad de 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), compilados pelo pesquisador Fernando Rufino, mostram que menos de 40% dos estudantes brasileiros do Ensino Médio na rede pública têm computador ou tablet com internet banda larga em casa. Se incluídos só os alunos de redes privadas, são 83% com esse acesso. Os números também variam por estado.

“Temos a maioria dos estudantes sem condições de acompanhar adequadamente essa modalidade de ensino à distância, seja por falta de acesso às tecnologias, seja por falta de acesso a direitos básicos, como alimentação ou domicílios com estrutura suficiente”, diz Andressa Pellanda, coordenadora-executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que usou os dados sobre as diferenças no acesso à internet em uma cartilha para orientar professores sobre a modalidade EaD.

Em todo o Brasil, redes públicas e privadas se movimentam para oferecer algum tipo de ensino à distância com a quarentena. Além de aplicativos para aulas online, feitos em parceria com empresas privadas em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, as redes públicas também vêm transmitindo aulas por televisão e rádio.

Apesar do esforço das redes, muitos formatos foram feitos às pressas e estão longe de um modelo de educação à distância ideal, afirma Ernesto Martins Faria, diretor-executivo do Iede, organização que estuda políticas educacionais. “Há pouco acompanhamento para saber se o aluno de fato ligou a televisão naquele horário, se assistiu ao conteúdo no aplicativo, se fez aquela lição, se precisa de alguma ajuda. EaD não é isso”, diz.

Paralisações, no geral, têm impacto muito grande nos conteúdos absorvidos. O pesquisador aponta um estudo feito em escolas da África do Sul durante uma greve de professores em 2007. Embora as aulas tenham ficado paralisadas por somente 7% do ano letivo, as perdas em aprendizagem dos alunos corresponderam a 25% do previsto para o ano, na comparação com alunos que não foram impactados pela paralisação.

Com mais de um mês sem aulas, as escolas enfrentam uma paralisação sem precedentes. No Brasil, a última paralisação dessa escala aconteceu em 2009, com aulas suspensas por até duas semanas em alguns lugares em meio à disseminação do H1N1. Em São Paulo, a ocupação de algumas escolas por estudantes secundaristas no fim de 2015 também paralisou aulas formais por mais de um mês, embora alunos tenham organizado atividades como palestras e aulas públicas.

Enquanto as aulas não voltam, há desafios ainda mais complexos nas escolas, como a simples comunicação. Relatos de professores nas redes sociais dão conta da dificuldade em se comunicar com pais, alunos e secretarias durante a pandemia. “A própria motivação dos alunos de menor renda, que tendem a ter menos acompanhamento dos pais em casa, ficará afetada”, diz Faria.  Leia a reportagem na íntegra na Exame.com