A sala de aula também pode ser um lugar de brincar

2019-01-21T09:20:49-03:00 18/01/2019|

Brincadeiras possibilitam fortalecimento de vínculos com os estudantes e importantes momentos pedagógicos. Mediação do educador é essencial no processo

Por Jordana Balduino e Rayane Silva, para a coluna Pesquisa Aplicada, na Nova Escola

A criança brinca. Este é seu “trabalho”, alguns diriam. Desde muito pequena, descobre seu mundo brincando, correndo, se escondendo, manipulando e explorando objetos quaisquer sejam as condições e contextos. Na escola, majoritariamente, a brincadeira tem seu lugar na chamada “hora do intervalo”, em espaços e tempos definidos. Seria possível, para não dizer necessário, que a sala de aula fosse um lugar de ensino, mas também de brincar?

Há diversos estudos que abordam o brincar como atividade lúdica e de possível inserção na prática pedagógica, em diferentes níveis. L. S. Vigotski (1896-1934), teorizador da Psicologia histórico-cultural, aponta que a brincadeira pode funcionar como uma mediação essencial para que a criança alcance novos potenciais de desenvolvimento, visto que, brincando, ela cria e constrói novos sentidos e significantes para sua própria existência (Vigotski, 2007). Esses potenciais de desenvolvimento são constituídos nas chamadas “zonas de desenvolvimento proximais”. Essas podem ser zonas “reais”, concebendo o que as crianças já são capazes de fazer, e “potenciais”, como aquilo que elas poderiam ser capazes de realizar, com o auxílio de algo ou alguém.

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Na brincadeira, a criança imita, imagina, exerce habilidades motoras e cognitivas, movendo diferentes e múltiplos elementos de suas zonas proximais, para assim desenvolver-se. Explorar a brincadeira nos espaços educacionais não é novidade. Contudo, em uma cultura cada vez mais adultocêntrica (Navarro & Prodócimo, 2012), que prioriza uma abarrotada e exaustiva grade curricular à livre criação e imaginação, o retorno a essas temáticas se faz necessário.

Espaços escolares que priorizam a relação com o brincar não só criam novas possibilidades de relação ensino-aprendizagem como propiciam a formação integral, considerando os diferentes aspectos dos sujeitos em desenvolvimento.  Para que tal aprendizagem ocorra, deve-se levar em consideração o tempo definido para a brincadeira, a apropriação de conhecimentos e a possibilidade de experimentação, elementos fundamentais de todo o processo e que fomentam a atuação da própria criança, concebendo-a não só como produto mas também como produtora do seu crescer e desenvolver.

A mediação de um adulto estimula ainda mais tais processos de desenvolvimento visto que auxilia a criança a atingir, progressivamente, suas zonas de desenvolvimento potenciais. A criança aprende e se desenvolve, principalmente, com um outro que media suas experiências.

Segundo Fortuna (2000), o adulto muitas vezes tem dificuldades de integrar-se à brincadeira, considerando-a como tempo de “bobagem” ou ainda dando rigor extremo à atividade lúdica. Reconhecer e reconciliar-se com a criança que existe dentro de si é importante ao professor que tem essas questões em seu cotidiano.  A autora argumenta que a criatividade continua existindo na vida adulta e dar lugar a ela na brincadeira possibilita momentos prazerosos e de fortalecimento de vínculos com os estudantes, como também importantes momentos pedagógicos. Assim, é preciso vivenciar as atividades lúdicas em si mesmas, e entender que a observação reflexiva e intencional das crianças em suas brincadeiras também é atuação pedagógica.

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Sobre isso, Navarro e Prodócimo (2012) apontam que a mediação do professor na brincadeira passa por diferentes âmbitos. Ao brincar junto, intencionalmente e criativamente, o educador produz tal mediação. Mas essa mediação ocorre ainda a priori, desde a organização da sala de aula, oferecendo espaço com cadeiras e mesas afastadas e brinquedos dispostos intencionalmente para o brincar livre, ou ainda, preparando uma atividade a partir de uma brincadeira, baseando nela mesma para o desenvolvimento de capacidades ou aspectos cognitivos. Neste sentido, a observação participante e intencional é mediação decisiva, e o planejamento se torna elemento fundante para sustentação e preparo da atividade, que se constitui também em espontaneidade e liberdade. Não que seja possível planejar o espontâneo, mas é possível planejar para que momentos de espontaneidade emerjam e se tornem realidade nos cotidianos escolares.

Ainda de acordo com Fortuna, trabalhar com a brincadeira na sala de aula é: “encontrar o equilíbrio sempre móvel entre o cumprimento de suas funções pedagógicas (ensinar conteúdos e habilidades, ensinar a aprender) e psicológicas (contribuir para o desenvolvimento da subjetividade, para a construção do ser humano autônomo e criativo) na moldura do desempenho das funções sociais, preparar para o exercício da cidadania e da vida coletiva, incentivar a busca da justiça social e da igualdade com respeito à diferença.” (2000, p.9 ). Portanto, não somente há espaço para a brincadeira na sala de aula como esse pode ser um dos principais ambientes para tal fim. E o educador é um mediador fundamental desta jornada.

*Jordana Balduino é psicóloga, com mestrado e doutorado em Educação e professora adjunta de Psicologia da Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG). Rayane Silva é aluna do curso de Psicologia na Faculdade de Educação/Universidade Federal de Goiás (FE-UFG).

Para saber mais: 

FORTUNA, T. R. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M. e DALLA ZEN, M. I. H. (org.) Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação, 2000.

NAVARRO, Mariana Stoeterau; PRODÓCIMO, Elaine. Brincar e mediação na escola. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Porto Alegre, v.34, n.3, p.633-648, 2012.

VIGOTSKI, L. S.  A formação social da mente. 7ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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